Na tarde de 08 de agosto de 2020 coloquei-me na presença de Deus e invoquei a sua misericórdia sobre as 100.000 pessoas mortas de Covid-19. Que Ele as purifique de todos os seus pecados e as faça participar da plenitude da vida. Rezo também pelos familiares destes nossos irmãos e irmãs para que, nesta hora de tribulação e tristeza, sejam consolados, confortados e fortalecidos na fé e esperança por Cristo, bom pastor.
Esta é uma triste marca para a nossa nação. Em cinco meses 100.000 pessoas morreram da mesma enfermidade; apenas na última semana foram 1.000 por dia. Isto se deu nos quatro cantos do país, sem distinção de classe, sem direito a despedida, nem ao último adeus. É um caso único da história nacional. É uma tragédia!
Sei que é a morte é algo natural para os seres vivos. Sei que um dia eu morrerei, você morrerá, nós morreremos, eles morrerão. Uma coisa é “acontecer a morte”. Outra coisa é buscar a morte (suicídio), deixá-la acontecer como se nada se pudesse fazer (omissão, conformismo) e matar alguém (assassinato). No primeiro caso é um acontecimento natural. Na segunda situação é um acontecimento humano no sentido de exercício da liberdade, escolha, decisão por algo.
No caso da morte das 100.000 pessoas por covid-19, foi um fato natural ou humano? Elas morreram naturalmente ou morreram por causa delas mesmas ou de outro? Seja qual for a razão, soe aos nossos ouvidos a exigente pergunta divina envolvida na tragédia do fratricídio de Caim: “onde está o seu irmão Abel? … Não sei; sou o responsável por meu irmão?” (Gen 4,9).
A pessoa humana é imagem e semelhança de Deus, aberta a atuar uma existência única e irrepetível, portadora de uma irredutível, bela e sagrada interioridade. Ela é um bem. Ela é de uma dignidade absoluta, exigente de reconhecimento e responsabilidade por parte do outro. Por isso, o que nós vimos nos últimos cinco meses não é insignificante. Os 100.000 seres mortos são pessoas humanas.
Neste intervalo de tempo, nas mentes e corações dos brasileiros foram semeadas sementes de vários tipos: confusão, incerteza, mentira, terror, indiferença; mas também caridade, fraternidade, solidariedade, esperança, acolhida, cuidado. Em meio a esta semeadura chegamos às lamentáveis 100.000 mortes. O que não foi semeado? O que poderia ser semeado melhor? O que não foi feito? O que pode ainda ser feito?
Não estamos predestinados a esta tragédia. Temos inteligência e vontade. Por isso, podemos nos colocar como sujeitos da história e intervir nos acontecimentos sem vitimismo.
As 100.000 pessoas mortas nos chamam ao esforço da inteligência e a coragem de uma conversão moral. Caim não quis pensar em seu irmão. Quero ser como Caim? Vençamos o egoísmo que está em nós. Basta de culpar este ou aquele. Assumamos a responsabilidade que nos cabe nesta hora da história, cada um fazendo o que lhe corresponde na vital rede social e política brasileira, unida as demais nações. Este é um dever que recai sobre cada cidadão: ser solidário. Decidamos pelo viver próprio e do outro, pois nossa dignidade é inigualável. O sacrifício de agora resultará em maior riqueza amanhã.
A redenção operada por Jesus Cristo alcançou a todos. Por isso, nossas melhores forças unidas à força de Cristo podem gerar dias melhores nos quais as pessoas morram naturalmente ou morram com honradez: lutando pela vida. E ela, alcançada pela ressurreição de Cristo, se torna eterna.
Pe. Francisco Agamenilton Damascena
Administrador Diocesano de Uruaçu