O sagrado direito ao descanso

0
433

Na tradição judaico-cristã o repouso semanal é tão importante que adquire valor sagrado, pois sua origem não é humana, mas divina. São João Paulo II na carta apostólica Dies Domini – O Dia do Senhor – de 31 de maio de 1998 reaviva para os cristãos católicos o sentido e a importância do domingo. Partilho alguns ensinamentos desta carta para enriquecer a reflexão.

Na primeira página da Bíblia, Deus aparece como exemplo de “trabalho” e também de “repouso” para o homem. Lançou “um olhar contemplativo, que visa a novas realizações, mas sobretudo a apreciar a beleza de quanto foi feito; um olhar lançado sobre todas as coisas, mas especialmente sobre homem, ponto culminante da criação” (nº 11). A contemplação gera admiração e ajuda a libertar de interesses utilitários.

Ligado a este “descanso” divino da criação está o preceito do descanso no sábado como recordação de uma época que não deveria voltar. “Lembra-te de que foste escravo no Egito, mas o Senhor teu Deus te tirou de lá com mão forte e braço estendido” (Dt 5,15). No pentateuco desenvolve-se uma legislação religiosa-civil sobre o descanso para proteger os mais fracos e colocar limites na ganância. ”Seis dias trabalharás e no sétimo descansarás, para que descansem também o boi e o jumento, e possam tomar fôlego o filho de tua escrava e o estrangeiro” (Ex 23, 12).

Na tradição cristã acontece a passagem do sábado ao domingo. O governador romano da Bitínia, Plínio o Jovem, no início do segundo século, escrevia ao imperador dizendo que os cristãos “se reúnem num fixo, antes da aurora, para entoarem juntos um hino a Cristo, como a um deus”. No século V escrevia o papa Inocêncio I: “Nós celebramos o domingo, devido à venerável ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo”. Testemunha um costume já consolidado originado pela Páscoa cristã que unânime testemunha que foi neste dia, o “primeiro dia depois do sábado”, que Jesus ressuscitou.

Durante séculos os cristãos viveram o domingo apenas como um dia de culto, um dia de celebração, em especial da celebração da Eucaristia. O imperador Constantino decreta no ano 321: “Que todos os juízes, e todos os habitantes da cidade, e todos os mercadores e artífices descansem no venerável dia do Sol”. Desde o ano 312 ele estava se aproximando do cristianismo certamente por influência da mãe Santa Helena e por razões políticas e religiosas, mas só recebeu o batismo em 337 no leito de morte. Por isso, são discutíveis as reais motivações de Constantino para estabelecer um dia de descanso no Império Romano, independente das razões o fato é que introduziu um dia de descanso semanal. O dia escolhido para o descanso foi o dia do “Sol” que coincidia com o dia que os cristãos se reuniam, depois denominado de domingo. Aos poucos, o dia de descanso foi se expandido pelo mundo.

O papa Francisco na carta encíclica Laudato Sí, numa perspectiva de ecologia integral e cuidado da criação, inclui o tema do direito ao descanso. “Este dia, à semelhança do sábado judaico, é-nos oferecido como dia de cura das relações do ser humano com Deus, consigo mesmo, com os outros e com o mundo.” O domingo por ser dia da ressurreição, é o primeiro da nova criação, integra na espiritualidade cristã o valor do repouso e da festa; a ação humana é preservada do ativismo e da ganância desenfreada e da busca apenas do benefício pessoal. “O repouso é uma ampliação do olhar, que permite voltar a reconhecer os direitos dos outros” (LS 237).

Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo