Tempo próprio

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Vivemos inseridos no tempo, caracterizado por estações, ritmos, festas. As estações com a subdivisão entre dia e noite é o próprio tempo que oferece. Os ritmos, isto é, a divisão em anos, meses, semanas, horas é fruto de convenção humana para marcar o tempo. As festas são expressão do modo como o ser humano se relaciona com esta realidade de desafiadora compreensão.

Os seres vivos possuem um tempo de desenvolvimento característico e um ritmo próprio. A estabilidade dos mesmos é dinâmica, resultado do equilíbrio ou da alternância constante de processos de degradação e de regeneração. O ser humano, por sua vez, pode criar, projetar-se e decidir por construir conscientemente algo novo. Ele pode ter o olhar voltado para o tempo futuro, o qual lhe permite sonhar.

No entanto, o ser humano sabe que o passado é o seu rosto mais autêntico e que lhe permite continuidade e significar o presente. O sentido do passado decorre da orientação para o futuro, para os fins que se escolhem, das possibilidades que se elegem como metas a atingir. No futuro projetamos os valores que iluminam a memória na seleção necessária entre o que há para esquecer e o que há para reter e recordar, enquanto significante e edificante para a vida social e pessoal. 

O ser humano se encontra embarcado na realidade do tempo, do qual ele não pode fugir. A compreensão do tempo expressa a finitude do ser humano. Por isso, o tempo é também marcado por simbolismo. O simbólico é onde a existência humana concreta encontra o seu enraizamento, equilíbrio e sentido.

Ao longo da história, cada cultura foi elaborando seus símbolos e ações simbólicas, destacando-se as etapas importantes existência humana. É o que se constata, por exemplo, com as festas de nascimento, aniversário, os ritos de passagem, casamento, morte etc. Os estados também possuem e promovem datas com seu simbolismo. Temos, assim, o dia da descoberta, da independência, das vitórias, da república, da bandeira.

Do mesmo modo, a sociedade civil cultiva etapas de tempo com seu simbolismo. Exemplos disso podem ser os tempos de férias e do carnaval.

As comunidades de fé possuem seus símbolos e cultivam suas ações simbólicas inseridas no tempo. A cultura ocidental é marcada por tais ações. Assim, se compreende o tempo da Páscoa e do Natal, com sua preparação, celebração e seus símbolos. Os símbolos se constituem numa linguagem cifrada das aspirações e dos ideais humanos. Eles sempre existiram e continuarão existindo. Eles são importantes para a vida e a cultura dos povos. 

Existem símbolos com significados profundos dentro de um determinado contexto histórico e cultural. Quando abraçados com ardor, manifestam e alimentam o respeito e despertam energias inesperadas. Há símbolos e tempos que tentam traduzir convicções e valores que se apresentam como indissociáveis para a sobrevivência de uma cultura.

Quando uma sociedade desconsidera a dimensão do simbólico e seus tempos, então se vulgariza tradição, cultura, arte. Um povo que desconsidera sua arte, cultura e tradição é um povo sem raízes, ficando a mercê de impressões genéricas e conformado ao politicamente correto.

A vulgarização do universo artístico e cultural de um povo é expressão de pouco respeito para com esse mesmo povo e suas tradições. Desconsiderar, por exemplo, o tempo da quaresma e vulgarizar o carnaval e seu tempo preocupam e fazem pensar. Até porque a existência humana não é um eterno carnaval!

Por Dom Jaime Spengler – Arcebispo de Porto Alegre (RS)