A festa da Epifania do Senhor é marcada em algumas regiões do Brasil por uma antiga celebração popular herdada da colonização e agora marcada pela riqueza da miscigenação. O dia 6 de janeiro é a data dedicada no calendário brasileiro aos Reis Magos, que visitaram Jesus no presépio após serem conduzidos pela estrela.
Nesta quinta-feira, Festa da Epifania, o Papa Francisco presidiu a celebração da Santa Missa na Basílica de São Pedro. Na sua homilia disse que a viagem dos Magos para Belém nos leva a interpelarmo-nos:
“O que é que levou estes homens do Oriente a porem-se em viagem?” “Eram e sábios e astrólogos – continuou – tinham fama e riqueza; de posse de uma tal segurança cultural, social e econômica, podiam acomodar-se no que tinham e sabiam, deixando-se estar tranquilos. Mas não; deixam-se inquietar por uma pergunta e um sinal: “Onde está [Aquele] que nasceu?”.
Como no caso dos Magos, Francisco também afirma que a nossa viagem da vida e o nosso caminho da fé têm necessidade de desejo, de impulso interior”. E salienta que precisamos disso como Igreja:
“Será bom perguntar-nos: a que ponto estamos nós na viagem da fé? Não estaremos já há bastante tempo bloqueados, estacionados numa religião convencional, exterior, formal, que deixou de aquecer o coração e já não muda a vida?”. “Na nossa vida e nas nossas sociedades, a crise da fé tem a ver também com o desaparecimento do desejo de Deus”, recordou o Papa. “Tem a ver com a sonolência do espírito, com o hábito de nos contentarmos em viver o dia a dia, sem nos interrogarmos acerca daquilo que Deus quer de nós”.
Concluindo o Papa disse: “Aqui, como os Magos, teremos a certeza de que, mesmo nas noites mais escuras, brilha uma estrela. É a estrela de Jesus, que vem cuidar da nossa frágil humanidade. Ponhamo-nos a caminho rumo a Ele”. “Como os Magos, levantemos a cabeça, ouçamos o desejo do coração, sigamos a estrela que Deus faz brilhar sobre nós. Como pesquisadores inquietos, permaneçamos abertos às surpresas de Deus. Sonhemos, procuremos, adoremos”.
Folia de Reis
Junto com a celebração litúrgica, as folias ou reisados enriquecem a comemoração do nascimento de Jesus e a sua manifestação entre os povos.
Em artigo publicado no portal da CNBB, o arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ), cardeal Orani João Tempesta, recordou a tradição de peregrinar no tempo do Natal realizada pelos grupos de Companhia de Reis ou Folia de Reis, cuja missão é anunciar de porta em porta o nascimento do Salvador.
“Os foliões são para nós a imagem do discípulo missionário que marca a vida de uma Igreja em saída, levando a todos sem distinção a grande mensagem: o Menino Deus nasceu e veio trazer para sua família, sua casa a paz e as bênçãos para que vivas feliz e colabore na missão de evangelizar”, escreveu o cardeal.
Também conhecidos como “Santos Reis”, os magos do Oriente foram reconhecidos como santos pelo sensu fidei (o senso dos fiéis), de acordo com o bispo emérito de Bauru (SP), dom Caetano Ferrari, em artigo de 2018 publicado no portal da CNBB. “Ainda hoje o povo católico os venera como santos e o dia de sua festa é dia santo de guarda, o primeiro do calendário civil”, pontuou dom Caetano.
O arcebispo de Montes Claros (MG), dom João Justino de Medeiros Silva, ressaltou em 2019 que a tradição da Folia de Reis tem forte apelo popular e que o clima natalino se estende por dias entre os foliões que peregrinam, cantam, rezam e dançam em torno do Deus Menino. “Recria-se o imaginário da busca e do encontro do Rei Menino, da estrela-guia que conduz em meio às dificuldades da travessia, do ardor de quem viu a luz e por ela se deixou guiar”, recorda.
Essa narrativa da busca dos Magos pelo Menino Deus conduz toda a dinâmica das folias, as quais “revestem-se de grande beleza, com músicas, cantos, orações, recitação dos Evangelhos, especialmente das passagens que relatam o nascimento de Jesus, em Belém, desde o anúncio do anjo Gabriel, passando naturalmente pela vinda dos Reis Magos, a fuga da sagrada família ao Egito e a sua volta do exílio e a infância de Jesus”, resgata dom Caetano Ferrari.
“As folias caminham de casa em casa, fazendas, vilas, bairros, convidando os fiéis a descobrirem a estrela da graça que leva a Deus como o fizeram os Reis do Oriente. Os foliões vão vestidos com roupas coloridas, personificando figuras bíblicas. Há os palhaços que distraem os carrancudos soldados de Herodes, para facilitar a fuga da Sagrada Família ao Egito”, enumerou.
“Há os que carregam a bandeira do Divino e a dos santos Reis, há os cantadores, os instrumentistas, os leitores e os recitadores de versos. As famílias, com alegria e emoção, recebem à porta da casa ou no quintal os foliões; oferecem alguma coisa de comer, como café e bolo de fubá, e fazem a sua oferta de uma prenda como um frango, um leitão. Estas prendas serão preparadas e servidas no final da peregrinação da Folia a todos os que a receberam pelo caminho durante a jornada de fé e oração”, partilhou dom Caetano Ferrari.
Bem imaterial
As Folias de Reis são consideradas Bens culturais imateriais da Igreja de acordo com o professor da PUC/Minas e dourando em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável, Dener Chaves. A classificação diz respeito ao modo de fazer, de festejar, de preparar, de cantar que são particulares a um determinado grupo ou região.
“Esses bens culturais fazem parte da nossa história, são formas de melhor compreender nossa identidade, são parte da nossa cultura preservada pelos fiéis e membros da Igreja, muitas obras, que mesmo sendo únicas, apontam para as especificidades de um período histórico e nos auxiliam para melhor compreendê-lo ou admirá-lo”, destaca Dener.
Dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar de Porto Alegre (RS), sublinhou, em 2018, que este patrimônio imaterial da cultura brasileira é resultado da influência portuguesa e cristã, “e traduz importantes dimensões que estão no imaginário da fé e da cultura das pessoas”.
Em seu artigo, dom Leomar apontou algumas características das folias, que ainda recebem o nome de “Terno de Reis”.
“O grupo da folia de reis é formado pelo mestre ou embaixador, o contramestre, os três reis magos, os palhaços, os alfeires e os foliões. Além disso, ocorrem desfiles pelas ruas dos grupos dedicados ao festejo. Eles usam fantasias coloridas, tocam músicas típicas com diversos instrumentos (violas, reco-reco, tambores, acordeões, sanfonas, pandeiros, gaitas, etc.) e dançam”, enumerou.
As Folias contam com diversas barracas com comidas, bebidas, jogos e lembranças que enchem as cidades com a tradição. Dom Leomar pondera que a comemoração segue tradições e particularidade de cada região do país. As comidas típicas, músicas, brincadeiras e danças variam de acordo com o local que ocorrem. No Brasil, a festa é celebrada em diversas regiões, sendo mais presente, segundo dom Leomar, no Rio de Janeiro, em São Paulo, na Bahia, em Minas Gerais, no Espírito Santo e em Goiás.
Fotos: Ícaro Silva / Arquidiocese de Belo Horizonte
Fonte: CNBB