Durante seminário, bispos explicaram aspectos canônicos e pastorais do Motu Proprio Traditionis Custodes

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O desejo da comunhão eclesial é o que emerge do significado do Motu Proprio Traditionis Custodes, do Papa Francisco. Essa foi a tônica das exposições durante o webinário sobre os aspectos canônicos e pastorais do documento do Papa sobre o uso da Liturgia Romana anterior à Reforma de 1970 promovido pela Assessoria Canônica da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na quinta-feira, 16 de setembro. Os bispos participantes abordaram a carta do Papa enviada ao episcopado de todo o mundo explicando as intenções do documento, as questões disciplinares da norma canônica e a situação da administração apostólica pessoal São João Maria Vianney, que utiliza o rito litúrgico anterior à reforma do Papa Paulo VI.

 

Reafirmar o “sentire cum ecclesiae”

Na abertura do evento virtual, mediado pelo assessor jurídico canônico da CNBB, frei Evaldo Xavier, o bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro e secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella Amado, situou o momento atual como um tempo de “acentuadas turbulências, em que compreensões e práticas individuais, leituras e narrativas individuais acabam se sobrepujando ao conjunto da Igreja”. É preciso, portanto, continuou dom Joel, “reafirmar o sentire cum ecclesiae. E isso se faz compreendendo adequadamente o que se encontra na mente, no coração do legislador que, no caso, não é ninguém menos que o sucessor de Pedro”. Para dom Joel, é importante ultrapassar “as compreensões rarefeitas e entender corretamente o que desejou o Santo Padre e, desse modo, anunciar o Evangelho ainda mais”.

 

Comunhão eclesial

Representando a Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB, o arcebispo de Pouso Alegre (MG), dom José Luiz Majella Delgado, ressaltou como importante significado do motu proprio a Comunhão Eclesial.

“Com este motu proprio, o Papa faz uma salutar retomada ao Concílio com uma humilde colaboração, porque ele afirma ‘na busca constante’.  E assim o Papa está voltado para o serviço e a formação do povo de Deus. Para promover a concórdia e a unidade da Igreja. O cerne deste documento é, portanto, a eclesiologia, e não a liturgia. Orientados pelo Papa Francisco, estamos sendo convidados, no momento, a refletir e colocar em questão a Igreja sinodal, igreja como comunhão, participação e missão. Esta é a grande riqueza da Igreja que estamos vivendo nos tempos atuais”, destacou.

 

 

Intenções e motivações do Papa

O arcebispo de Ribeirão Preto (SP), dom Moacir Silva, canonista presidente da Comissão para os Tribunais Eclesiásticos de 2ª instância da CNBB, destacou a carta enviada pelo Papa Francisco aos bispos do mundo inteiro “explicando profundamente as suas motivações pelas quais tomou a decisão e convidando a cada bispo do mundo a ajuda-lo na aplicação deste motu proprio“.

Dom Moacir lembrou que o Papa Bento XVI, quando publicou o Summorum Pontificum, enviou uma carta aos bispos para ajudar na aplicação do documento. O Papa Francisco fez a mesma coisa em relação à carta apostólica Traditionis Custodes. No texto, partilhou dom Moacir, o Papa recordou o caminho feito desde o documento editado por seu predecessor. Depois de três anos, os bispos deviam fazer uma avaliação do motu proprio do Papa Ratizger. Assim, o Papa Francisco pediu à Congregação para a Doutrina da Fé o envio de questionários a respeito do tema.

Dom Moacir citou o Papa Francisco: “As respostas recebidas revelaram uma situação que me entristece e me preocupa, confirmando a necessidade de minha intervenção”.

E o papa interveio com o atual motu próprio, pois percebeu que a intenção de João Paulo II e de Bento XVI “que entendiam fazer todos os esforços para que todos aqueles que, verdadeiramente desejam a unidade possam permanecer nesta unidade ou redescobri-la” foi muitas vezes gravemente negligenciada.

O arcebispo também recordou que entristecem o Papa os abusos “de um lado e de outro na celebração da liturgia”, mas também o “uso instrumental do missal romano de 1962, cada vez mais caracterizado por uma rejeição crescente não só da reforma litúrgica, mas do Concílio Vaticano II com a afirmação infundada e insustentável de que traiu a tradição e a verdadeira Igreja”.

 

Normas disciplinares

Sobre o aspecto canônico, o bispo auxiliar de Brasília (DF) e suplente na Comissão para os Textos Litúrgicos da CNBB, dom José Aparecido Gonçalves Almeida, explicou que o motu propiro é um documento canônico e que estabelece normas disciplinares “que ajudam a viver intensamente a unidade da Igreja na comunhão, mesmo com a variedade, inclusive de ritos, que há na Igreja Católica”. 

Dom Aparecido comentou que após a promulgação houve reações de contestação e também de aplausos que extrapolavam as intenções do Santo Padre. Outras contestações, segundo o bispo, tentavam diminuir o valor vinculante, “mesmo por parte de quem tem autoridade em questão litúrgica ou por quem gosta de opinar nessa matéria, mesmo sem uma leitura suficientemente aprofundada dos documentos”.

Assim, o bispo fez sua exposição buscando explicar o problema de hermenêutica jurídica de um texto que contém normas em matéria litúrgica. Dom José Aparecido falou, portanto, da natureza do documento; da comunhão fé católica que tem uma dupla dimensão, sincrônica e diacrônica; do sentido de que rito pó-conciliar “expressa melhor a comunhão nos dias de hoje”; sobre como devem ser interpretadas as disposições do motu proprio, sobre as pessoas atingidas pela norma e o seu alcance; e que a norma não diz expressamente que derroga algumas leis particulares como são, por exemplo, as normas próprias dos institutos criados pela Ecclesia dei. Ainda informou que a autoridade competente para dirimir as dúvidas é o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos.

O bispo também explicou que a administração apostólica pessoal São João Maria Vianney, aqui no Brasil, cuja lei própria foi recebida das mãos do Papa não teve sua norma explicitamente derrogada. Portanto, “continua válida em todos seus efeitos, salvaguardadas aquelas normas de caráter disciplinar-litúrgico que o Santo padre dá para toda a Igreja”.

 

Da nossa parte exige a obediência filial

Erigida por São João Paulo II em 2002, a administração apostólica pessoal São João Maria Vianney é caracterizada pelo uso da Forma Extraordinária do Rito Romano, bem como a celebração dos demais sacramentos segundo os livros litúrgicos em vigor em 1962, conforme concessão papal. Por esse motivo, seu administrador apostólico, dom Fernando Arêas Rifan, foi convidado para explicar sobre a relação da circunscrição eclesiástica com o documento do Papa Francisco.

Dom Fernando iniciou sua fala recordando o Mês da Bíblia, cujo tema é extraído da carta aos Gálatas: “Todos vós sois um só em Cristo Jesus” e lembrou a todos a questão da unidade: “a Igreja é única só, portanto, unidade de governo, unidade de doutrina e unidade de culto”. A unidade de sacramento, segundo dom Rifan, se exprime na existência de somente uma missa, “que é a renovação do sacrifício da cruz e o mistério pascal de Jesus Cristo, embora haja diversidade de ritos e carismas espirituais”.

O bispo explicou ainda que o motu próprio Traditionis Custodis é um ato de governo do Papa, pastoral e disciplinar. “E da nossa parte exige a obediência filial como católicos. Não há o que discutir, o católico obedece”. De todo modo, dom Fernando destacou que a norma não proíbe as celebrações segundo o missal de São João XXIII, mas há a regulamentação do uso.

“Traditionis custodes volta à situação do indulto de 1984. Também em 1984 tinha-se dito que a forma lex orandi seria a de Paulo VI, mas sempre o indulto continua. Portanto, pode se celebrar na forma antiga com as concessões. O que houve foi um retorno ao controle dos bispos e do Papa”.

Também é “importantíssima”, segundo dom Rifan, a intenção do Papa de que os grupos sejam acompanhados pastoralmente pelos padres. “Não basta somente a concessão de celebrar a missa, é preciso que sejam acompanhados. Eles também são ovelhas que devem ser acompanhadas”, destacou.

Sobre a intenção de promover a comunhão eclesial, dom Fernando ainda recordou as recomendações dadas pelo Papa Bento XVI, à época, aos chamados tradicionalistas. “Bento XVI tinha pedido que aceitassem o caráter vinculante do Concílio Vaticano II e que não questionassem a ortodoxia do ordo missae atual. Não ouviram Bento XVI, e por isso que o Papa volta a falar agora”.

O rito de João XXIII foi destacado por dom Fernando, a partir das falas dos Papas, como uma beleza e riqueza da Igreja, “pela proteção contra os abusos e pela sua solenidade”.

 

 

 

 

Fonte: CNBB