No centro da vida cristã está a contemplação do rosto do Senhor a partir dos pobres e o empenho em favor do Reino de Deus contra toda forma de idolatria. Por isso, a especificidade do “ethos” cristão não está propriamente em seu conteúdo, pois todo cristão deve fazer o que fazem todos os homens de bem, mas na referência a Jesus de
Nazaré.
Partindo de sua vida, que foi sempre doação incondicional pelo Reino, Jesus quis deixar um sinal distintivo para os seus seguidores. Sendo assim, resumiu toda a Lei em um único mandamento, a “agape”, que seria então o diferencial para seus discípulos (cf. Jo 15,12-14). Esse “novo mandamento” caracterizaria a vida cristã e seria o sinal pelo qual seus seguidores seriam reconhecidos. Isso é muito importante, de tal modo que a Igreja não pode descurar-se desse serviço, assim como não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra.
Caridade: compromisso da fé
A palavra “caridade”, entendida univocamente como “amor”, traduz a expressão grega “agape”, associada na tradição latina a “carus” (= caro, importante, estimado), que por sua vez se relaciona com o vocábulo grego “charis”, graça, dom e foi traduzido por “caridade”. Outras duas expressões são utilizadas na língua grega para significar o amor: “eros” e “philia”, significando o amor sensitivo e de amizade, respectivamente.
A novidade que se expressa no Novo Testamento, significativa para a fé cristã, é a marginalização dessas duas expressões e a utilização da palavra “agape” para significar o amor cristão, a ponto da Eucaristia ser chamada pelo mesmo nome.
Para a vida cristã, a caridade é um compromisso. Ao longo dos séculos, a fé foi se reduzindo à profissão de um conteúdo ortodoxo e sua “prática” tomou contornos litúrgicos e jurídicos. Ser uma pessoa de fé implicava em professar um conjunto de verdades e praticar o culto correspondente. Sua dimensão de experiência foi diminuída, bem como sua incidência na vida concreta também o foi. As consequências desse empobrecimento se fizeram sentir no terreno da caridade, que passou a ser compreendida como “sentimento”, ou então como obras pontuais e extraordinárias.
A esmola e a caridade
Dessa maneira, contrariamente ao ensino clássico, a caridade foi se tornando sinônimo de esmola, desvinculada da prática da justiça. Essa mentalidade se prolongou na prática eclesial e inspirou as “obras assistenciais”, que procuravam mitigar os efeitos maléficos deixados pela injustiça estrutural. Isso levou à acusação, especialmente da parte do marxismo, no bojo da revolução industrial, de que a caridade cristã era um meio de manutenção do “status quo”, sem nenhuma incidência sócio-transformadora.
Um grande desafio pastoral é, por isso, recuperar a dimensão política da caridade. Dessa maneira, estaremos voltando à senda indicada pelo Senhor e trilhada pelas primeiras comunidades cristãs, porque a “agape” é uma exigência evangélica, um mandamento deixado pelo Mestre a seus discípulos (cfr. Jo 15,12.17).
Em vista disso, resgatar a dimensão macropolítica da caridade, acentuando sua necessária ligação com a prática da justiça social e a transformação das estruturas injustas, configura-se certamente como o grande desafio pastoral de nosso tempo e um dos pontos de intersecção entre a Fé e a Política, colocando a caridade como princípio articulador do compromisso político. Afinal, a política é uma forma exigente de se viver a caridade cristã (Octogesima Adveniens 46).
Por Padre Antonio Aparecido Alves via Canção Nova (Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP). Para conhecer mais sobre Doutrina Social visite o Blog: www.caminhosevidas.com.br)