O Ano Santo da Misericórdia vê abertas as portas do coração de Deus e da Igreja para os que se encontram ou se sentem distantes e excluídos. Graças a Deus, muitas pessoas têm encontrado o abraço amigo e fraterno que lhes possibilita se sentirem participantes da única família dos filhos de Deus. A esta altura do ano, o presente que a Igreja nos oferece são as três parábolas da misericórdia, contadas com maestria pelo Evangelho de São Lucas (Lc 15, 1-32). Nelas as várias situações humanas se desdobram diante de nossos olhos, permitindo-nos participar diretamente das mesmas parábolas.
“Se um de vós tem cem ovelhas…”. Começamos bem, pois a provocação é direta! Trata-se de tocar no bolso nos meios de sustentação de muitos dos interlocutores de Jesus, que dependiam de seus respectivos rebanhos para sobreviver. A matemática de Jesus é contraditória e suas contas não conferem, segundo os critérios correntes, pois as noventa e nove ovelhas deixadas no deserto têm seu valor comparado a apenas uma ovelha! Sua parábola mexe primeiro no bolso, para depois chegar ao coração. A vergonha de um mundo que prioriza o lucro a qualquer custo, vem a ser desmontada, pelo menos em nossa consciência, pois os frutos da administração egoísta e culpável já existente naquele tempo e hoje incrivelmente potencializada se fazem patentes nas escandalosas desigualdades dela decorrentes. O Senhor revoluciona os critérios de administração, incluindo no Reino de Deus gente que vem de longe, como publicanos e pecadores.
Atualizada esta parábola para os nossos dias, cada um pode dizer: ‘Como o Senhor veio até mim e se inclinou sobre mim na hora da necessidade, assim vou ao seu encontro e me inclino sobre aqueles que perderam a fé ou vivem como se Deus não existisse, sobre os jovens sem valores e ideais, sobre as famílias em crise, sobre os enfermos e os prisioneiros, sobre os refugiados e imigrantes, sobre os fracos e desamparados no corpo e no espírito, sobre os menores abandonados à própria sorte, bem como sobre os idosos deixados sozinhos. Onde quer que haja uma mão estendida pedindo ajuda para levantar-se, ali deve estar a nossa presença e a presença da Igreja, que apoia e dá esperança’. E fazê-lo com a memória viva da mão do Senhor estendida sobre mim quando eu estava por terra” (Papa Francisco, Homilia na Canonização de Madre Teresa de Calcutá). Do bolso Jesus vai ao coração, pois não se trata apenas de ir ao encontro da ovelha perdida, mas tomá-la com carinho e alegria sobre os ombros. Sua “administração” do rebanho pede iniciativa, carinho, alegria ao buscar quem está distante, a pessoa que peca, aquele que cai, ou escandaliza ou é revoltado, ou briga com o mundo e a vida. O desafio está em nossas mãos!
A segunda parábola é diferente. Uma mulher que tem “apenas” dez moedas de prata, ao perde uma delas, perde muito! Era o correspondente a um dia de trabalho. As pessoas pobres, envolvidas nas histórias contadas por Jesus e que o escutam, podem dizer: “é assim mesmo que fazemos em casa, procurando nos bolsos e nas gavetas até os últimos trocados, pois eles valem muito”! Deus é assim, exagerado na festa que faz conosco, nela gastando muito mais do que o valor de face da moeda apenas encontrada! E nós valemos muito mais do que moedas, ou, relembrando outra parábola, mais do que muitos pardais (Cf. Mt 10, 31)! Mais uma vez, a misericórdia praticada conduz à alegria e à festa, pois Deus não é triste, mas fonte e senhor da alegria!
A terceira parábola, do Pai misericordioso e de seus dois filhos, um mais novo, pródigo, gastador, e outro mais velho e bem comportado, mas duro em seus sentimentos, é muito conhecida, chamada de pérola do Evangelho, é localizada bem no centro do texto de São Lucas, para indicar a importância da misericórdia. No tempo da redação do Evangelho, o filho mais velho representava as comunidades vindas das antigas práticas religiosas, enquanto o mais novo as que tinham chegado do paganismo.
O filho mais jovem, desejoso de aproveitar a vida e de se libertar das amarras e exigências do pai, faz com que perca sua própria liberdade, vindo a ter um tratamento pior do que os porcos! Era a situação de tantos escravos daquele tempo, homens e mulheres parecidos com os que vieram à tona nestes dias, quando uma “santa da sarjeta” foi colocada aos olhos do mundo, na recente canonização de Madre Teresa. De um lado, a situação social de tantas pessoas excluídas, e de outro as muitas exclusões geradas pelas escolhas de cada um de nós, quando nos voltamos para a lama do pecado e do egoísmo. Sim, porque o filho mais novo está dentro de nós!
Mais velhos somos também nós quando a festa da vida e do perdão nos incomoda! Pode acontecer que a justa exigência de fidelidade às leis e às normas, inclusive religiosas, nos façam perder o imenso horizonte aberto pela bondade de Deus, que só fica triste quando vê que filhos ou filhas se encontram afastados. Como o seu amor é eterno, olha permanentemente para a curva do caminho, aguardando o último que pode chegar! De fato, o Pai que é Deus não quer que o filho seja escravo, mas apenas filho. É a boa nova do Evangelho de Jesus, expressa em roupa nova, anel sandália aos pés, novilho gordo, festa, alegria! Mais uma vez, Deus é alegre e feliz! Quem experimenta a entrada gratuita e surpreendente do amor de Deus em sua vida se alegra e quer comunicar esta alegria aos outros!
A primeira parábola toca na administração e no trabalho, a mulher que perde uma moeda conduz aos meios pobres à disposição dos mais simples e à casa, e a terceira parábola amplia os horizontes. O discípulo de Jesus há de fazer uma escolha entre a casa do Pai, com seu sistema de partilha, e o sistema de acumulação. Na casa do Pai, os empregados não têm fome, porque existe partilha! A liberdade do consumo desenfreado mostrou seus limites na vida do jovem. Voltar à casa paterna pode parecer exigente, mas é o reencontro com a liberdade interior! Vale a pena escutar a conclusão da terceira parábola: “Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi encontrado'” (Lc 15, 31-32).
O Evangelho não traz a resposta do filho mais velho, pois ela cabe a nós!
Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará