Ação Pastoral Pós-Pandemia (9)

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A Celebração Eucarística, na sociedade do espetáculo

Nos últimos anos, estamos nos envolvendo com aplicativos de celular que viabilizam relacionamentos rápidos, com diálogos instantâneos, bem como contatos interpessoais, ligações afetivas, profissionais e lúdicas. É o caso do Whastsapp.

Este aplicativo impõe um novo jeito de interagir entre as pessoas. Agora, boa parte da população recebe mensagens, comunicados, fotos, vídeos numa rapidez surpreendente.

Neste interagir com aplicativos (Whastsapp), estamos tomando ciência de inúmeras celebrações eucarísticas em todo mundo que estão totalmente deixando a desejar pelos vídeos que recebemos. Ex.: padres dançando, padres fazendo propaganda de celebrações eucarísticas, andando de patins dentro da Igreja, padres cantando de maneira altiva, outros vestidos de paramentos incomuns para chamar atenção e tantas outras situações que envergonham a nossa Igreja. Achamos graça, compartilhamos rapidamente, mas por outro lado, causam-nos uma tristeza imensa pela ridicularizarão do mistério da eucaristia. Estamos desconsiderando a Igreja e fazendo do mistério pascal um grande espetáculo.

Essa realidade nos faz refletir sobre as celebrações eucarísticas em nossas paróquias e comunidades numa “sociedade do espetáculo”. A celebração da eucaristia é ainda o meio mais eficaz de alimentar a fé e o evento mais procurado pelo povo de Deus.

O criador do conceito “sociedade do espetáculo” foi francês Guy Debard, que definiu o espetáculo como o conjunto das relações mediadas pelas imagens.

A palavra “espetáculo”, na raiz, está ligada a espectador, ou seja, “aquele que assiste”. Não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas mediatizada por imagens.

Na “sociedade do espetáculo” a aparência torna-se algo importante, bem como a produção de imagens e a valorização da dimensão visual da comunicação como instrumento de exercício do poder e de dominação social.

“No espetáculo, o fim não é nada, o desenrolar é tudo. O espetáculo não deseja chegar a nada que não seja ele mesmo” (Debard).

A imagem, obviamente, é algo para ser visto. Mas nem toda imagem está inserida na lógica do espetáculo. Uma imagem natural, lago, patos, montanhas ao fundo, campo, é apenas uma paisagem, ou uma imagem natural. No entanto, se o espaço for loteado para a venda e a paisagem utilizada como sedução para atrair compradores, o cenário se converte em mercadoria e ganha valor de imagem.

Na sociedade do espetáculo, quanto mais a pessoa se apresenta por meio de determinada estética (roupas, maquiagem, gestos ensaiados e palavras de ordem), mais se rende à lógica do espetáculo, na medida em que expressa sua rebeldia visualmente.

O espetáculo apresenta-se como uma enorme positividade indiscutível e inacessível. Ele nada mais diz senão que “o que aparece é bom, o que é bom aparece”.

A vida é cada vez mais moldada pelo espetáculo: o teatro, a moda, a arquitetura, a gastronomia, o sexo, os jogos, a música, a televisão, o filme, os esportes, as celebridades, a economia. É a espetacularização da realidade, a dramatização da vida e, infelizmente, nossas paróquias e comunidades estão entrando nessa. Nossas comunidades e paróquias, em sua caminhada de fé, vivem da celebração do mistério pascal de Jesus, na celebração dos sacramentos, principalmente, da Eucaristia.

Na encíclica Ecclesia de Eucharistia (EE), o papa São João Paulo II fez questão de recordar que a celebração eucarística nunca é propriedade do sacerdote ou da comunidade, lembrando ainda o grande sofrimento causado aos fiéis por abusos introduzidos na celebração da Missa. A observância das normas litúrgicas é uma expressão fundamental do amor a Cristo e à Igreja.

O papa fala, franca e abertamente, de abusos introduzidos na celebração da Sagrada Eucaristia por “um ambíguo sentido de criatividade e adaptação” (EE, 52). E acrescenta: “A ninguém é permitido aviltar o mistério confiado às nossas mãos: é demasiado grande para que alguém possa permitir-se tratá-lo segundo o próprio livre arbítrio, não respeitando o seu caráter sagrado nem a sua dimensão universal” (Ibidem).

Não nos é permitido reconfigurar ou redesenhar a Sagrada Eucaristia, nem tão pouco servir-nos dela e explorá-la para os nossos próprios intentos. A Sagrada Eucaristia é sempre, e ao mesmo tempo, sacrifício, banquete e presença real e não um espetáculo a ser assistido.

Na celebração da Eucaristia, o celebrante deve desaparecer por detrás da Pessoa de Cristo que ele faz presente, e atrás também da pessoa mística da Igreja, em nome da qual age, respeitando as cerimônias tal como são previstas no livro litúrgico.

Vamos nesta “sociedade do espetáculo” valorizar a celebração eucarística, respeitando sua dimensão de mistério e não tratá-la como mero espetáculo!

Dom Edson Oriolo
Bispo de Leopoldina (MG)