Civilidade e respeito

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Parece estar cada vez mais distante o tempo em que se investia em civilidade e urbanidade. Era comum, nos lares, ouvir os pais corrigirem seus filhos, valendo-se de expressões com tons de advertência: “cria modos”, “tenha compostura”. De modo semelhante, as escolas, instituições religiosas e culturais costumavam investir em processos formativos para que os alunos aprendessem as normas da boa convivência. Com o passar dos anos, esses necessários requisitos foram perdendo a importância, comprometendo os princípios de urbanidade que poderiam garantir processos relacionais qualificados e imprescindíveis para a civilidade. Não há dúvidas de que a qualidade na dimensão relacional de um povo é determinante, para o bem ou para o mal, nas dinâmicas sociais. Por isso é importante reconhecer: investir em civilidade é necessidade real e urgente.

Pode parecer que esse investimento seja supérfluo ou esteja na contramão do mundo pós-moderno. Afinal, vive-se num tempo em que as subjetividades reivindicam absoluta autonomia. Um contexto que leva à consideração de que tudo aquilo que não corresponde aos interesses individuais imediatos é indevido e, consequentemente, inaceitável. Com isso, cada pessoa orienta seu comportamento observando apenas as suas ambições, desconsiderando a vida dos outros. O abandono do necessário processo de aprendizagem das posturas que garantem civilidade contribui para que haja um terrível primado do subjetivismo. Consequentemente, cada pessoa passa a considerar-se como norma e referência absolutas.

A possibilidade de “cada cabeça” estar livre para proferir “sentenças” contribui para alimentar uma perversa anomia. Com a falta de regras e normas, cada um passa a fazer o que quer e como bem entende, sem obediência e reverência a parâmetros inegociáveis. Caminho livre para que a arbitrariedade se instale e alimente violências, descasos, subestimando, assim, a sacralidade da vida. Não cultivar a reverência às posturas que garantam civilidade compromete o respeito, a percepção das diferenças, a competência para valorizar aquilo que realmente conta e sustenta o equilíbrio da vida em sua complexidade. Esse mal atinge não apenas algumas pessoas ou segmentos da sociedade. Alcança todos, desencadeando descompassos no âmbito da cultura. Alimenta prejuízos que incidem na economia, no tecido social e no conjunto dos hábitos e das vivências que definem o jeito de ser de um povo.

Diante da hegemonia da lógica do mercado, com suas dinâmicas que pesam principalmente sobre o ombro dos mais pobres, torna-se mais difícil perceber e considerar a influência determinante da civilidade, que abrange desde as pequenas atitudes aos gestos mais significativos, capazes de configurar, no dia a dia, avanços rumo a uma sociedade mais solidária e justa. No entanto, sem investir na civilidade, todos continuarão a conviver com situações problemáticas, a exemplo da frequente incapacidade para respeitar o bem comum, das tendências ao desperdício e à depredação. Não se pode deixar de constatar que certos estilos de vida social – com suas práticas, privilégios, gastos excessivos e desnecessários – alimentam um imaginário que está longe daquilo que constitui a dignidade humana. Também é sintomática a insensibilidade diante de um dever, que é de todos: contribuir para o cuidado social e o amparo aos mais pobres, a partir do apoio a projetos que tornem a sociedade um lugar melhor para se viver, marcado por valores alicerçados no amor e no respeito à vida.

O grau de urbanidade incide ainda sobre o estabelecimento de prioridades no contexto social – do uso honesto dos recursos para promover o bem-estar de todos até a definição de impostos. Isso significa comprometer-se mais com a promoção e a vivência da ética, do equilíbrio e de qualificadas relações entre os cidadãos. Uma dinâmica capaz de constituir o tecido cultural que transforma as pessoas, permitindo o aprendizado do sentido de respeito e reverência, bem diferente dos muitos descompassos característicos desta pós-modernidade, a exemplo dos comportamentos “viralizados” nas redes sociais. Apenas assim será possível promover a formação de líderes com refinado sentido social e político, realmente capacitados para oferecer respostas às demandas de uma sociedade mais ética. Eis um caminho para reverter o que tanto se amarga neste momento. A sociedade precisa de civilidade e respeito.

Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte