O foco das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil para o quadriênio de 2019 a 2023, aprovadas pela assembleia geral da CNBB em maio passado, é a missão da Igreja nas cidades e na cultura urbana. Essa atenção especial à missão da Igreja na cidade justifica-se por dois motivos: mais de 80% da população brasileira atual vive nas cidades pequenas, médias e grandes do País. Por outro lado, a cultura urbana, gerada sobretudo nas metrópoles, influencia também a população rural.
Não é demais afirmar que o futuro da evangelização é posto à prova na cidade e depende da capacidade da Igreja de lidar com o fenômeno urbano que, certamente, não é transitório, mas veio para ficar. A inversão da situação populacional brasileira, de uma maioria rural para uma maioria urbana, aconteceu em poucas décadas. Grande parte da população urbana atual ainda nasceu no campo ou em pequenos núcleos urbanos do interior. Essa recente reconfiguração urbana da população tem um significado especial para a compreensão das mudanças culturais do povo brasileiro nesses mesmos decênios mais recentes. Também da mentalidade e das atitudes religiosas.
A cidade grande é lugar de afirmação das liberdades, da autonomia, da individualidade, do comportamento das massas e da solidão. Lugar da abundância e das carências, das mais diversificadas oportunidades e atrações para ocupar o tempo; ambiente das solicitações mais variadas para capturar as atenções e direcionar os interesses. Lugar também do pluralismo religioso, dos muitos pregadores da fé e do contrário da fé e da oferta de propostas religiosas inseridas na lógica da grande feira de oportunidades. E as pessoas pouco formadas e esclarecidas, ou pouco firmes na própria fé, enfrentam a tentação da lógica da cidade grande e do abandono dos laços, talvez já tênues, com a comunidade de fé e com a Igreja. A cidade grande favorece a multiplicidade de expressões de religiosidade, mas também coloca duramente à prova a fidelidade à fé.
As novas Diretrizes Gerais da CNBB recordam que a Igreja Católica está comprometida com o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo em todos os tempos e lugares. Por isso mesmo, ela precisa encontrar os modos e métodos adequados para realizar sua missão também na cultura urbana, por mais complexa e desafiadora que seja. Nenhum campo da convivência humana está excluído do anúncio do Evangelho. E essa missão precisa ser realizada na fidelidade a Jesus Cristo e ao reino de Deus que Ele veio anunciar e já tornar presente no mundo. O esforço da Igreja deverá ser orientado para levar essa Boa Nova de Jesus Cristo aos ambientes e expressões da cultura urbana.
Isso requer, em primeiro lugar, da parte de cada membro da comunidade eclesial, um esforço de constante volta a Jesus Cristo e ao Evangelho. Somente nossa conversão e afervoramento na fé nos tornarão capazes de sermos missionários de forma nova e criativa, como se faz necessário na metrópole. A Conferência de Aparecida, do Episcopado da América Latina e do Caribe (2007), chamou toda a Igreja do Continente a passar de uma pastoral de mera conservação, sem vitalidade, para uma pastoral decididamente missionária. E indicou o caminho que torna isso possível: o renovado encontro pessoal com Jesus Cristo e com Deus.
Nas cidade grande as comunidades da Igreja precisam ser fervorosas, firmes na fé e alegres no testemunho cristão. Devem ser comunidades eucarísticas reunidas, sobretudo aos Domingos, em torno do altar e da Palavra de Deus. Comunidades atentas aos processos de transmissão da fé e de iniciação à vida cristã dos seus membros novos e mais jovens. Comprometidas com a caridade pessoal e comunitária, em todas as suas expressões, e com a edificação do convívio social em base aos princípios da justiça, do respeito e da solidariedade.
E nossas comunidades, com todas as suas expressões organizadas e pastorais, precisam tornar-se verdadeiras comunidades missionárias a irradiar a alegria do Evangelho e a esperança do reino de Deus, no qual acreditam.
Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)