A Liturgia da Igreja aproxima três acontecimentos em vista da manifestação de Jesus ao mundo: a Epifania, no dia de Reis, comemorada no domingo, o Batismo de Jesus no Rio Jordão, celebrado na próxima segunda-feira, e as Bodas de Caná, com o Evangelho proclamado neste sábado. Jesus veio ao mundo para nos salvar, abrir o caminho à plena comunhão da humanidade com Deus. Faz parte do plano eterno de Deus que venha à plena luz o mistério da graça e da salvação. Os eventos que celebramos são carregados de apelos ao nosso compromisso com a divulgação da Boa Nova.
Os magos, sábios do oriente, também chamados de reis, aos quais lendas e romances já acrescentaram outros amigos que continuaram a buscar, com nomes atribuídos pela devoção e pela tradição, expressam a universalidade do Evangelho, que quer e deve chegar a todos, sem fronteiras nem obstáculos. Neles se encontra a sadia inquietação, plantada pelo Espírito Santo, presente em todas as pessoas que buscam a verdade. Sua consciência é simbolizada pela estrela-guia. Tamanha importância adquiriram na tradição da Igreja, que, chamados de santos, trazem consigo presentes e dons, oferecidos ao Menino Deus. Neles todos nós nos encontramos, especialmente quando as circunstâncias da vida e as muitas lutas de nossa história pessoal nos tenham feito sentir-nos distantes. Neles está nosso espaço, nossa estrada e nosso encontro. Nos Santos Reis Magos, a Igreja “em saída” certamente encontra padroeiros! Os distantes encontraram seus padrinhos!
As margens do Rio Jordão ficaram cheias de peregrinos, gente machucada pelas próprias dificuldades ou pela situação de sofrimento em que se encontrava a Palestina em tempos de ocupação romana. Dentro deles, a esperança da chegada do Messias, o sonho de uma boa notícia, tanto aguardada e sustentada pelas gerações que os precederam, especialmente à luz dos muitos profetas que entreviram a luz no horizonte ainda longínquo. Era o desejo da salvação. De repente, alguém que diz não ser a luz, mas a prenuncia, homem chamado a preparar os caminhos, preencher os vales e abater os montes. Seu nome é João Batista e sua missão tem ponto alto quando o próprio Messias esperado se aproxima: “Jesus veio da Galileia para o rio Jordão, até junto de João, para ser batizado por ele. Mas João queria impedi-lo, dizendo: ‘Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?’ Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Por ora, deixa, é assim que devemos cumprir toda a justiça!’ E João deixou” (Mt 3, 14-15). E a luz apareceu! A multidão já pode seguir aquele que inicia sua vida pública, o Filho amado sobre o qual repousa o Espírito Santo. O mundo já não é mais o mesmo!
Em Caná, uma festa de casamento é a ocasião de Jesus se manifestar, trazendo consigo a participação de Maria, aquela que oferece a receita do milagre – “Fazei o que ele vos disser” – para que os discípulos acreditem. Eles um dia serão feitos missionários, e experimentaram o vinho novo e o tempo novo. Eles já não são mais os mesmos, e o que são agora é melhor do que tudo o que viera antes.
No início do novo ano, pode acontecer que as emoções das festas recentes se desmanchem rapidamente, até porque muitas vezes ficaram na superfície. As pessoas descobrem que, sem a novidade que vem do alto e de dentro, a ação de Deus em suas vidas, elas continuam as mesmas. As esperanças podem se diluir e as pessoas se encontrem no marasmo ou na proclamação das crises, repedida à exaustão. Os cristãos trazem dentro de si o desafio de serem semeadores de uma novidade que nunca esmorece. Aceitem, pois, o desafio de uma dinâmica diferente, prontos a sair de si mesmos, para ir ao encontro dos outros, como nos convida o Papa Francisco. Para tanto, é necessário escolher o seguimento de Jesus, ir atrás deve, encantar-se com suas palavras, descobrir a novidade de sua presença. E a novidade será sempre atualizada, o ano e as pessoas nunca ficarão velhas, se aceitarem a recomendação da Virgem Maria: “Fazei o que ele vos disser”. Sair, seguir, fazer! Três verbos decisivos para a vida cristã no ano novo.
As manifestações de Jesus iluminam nosso início de ano. E sabemos que o seu anseio é que o mundo seja diferente: “Eu vim lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso! Um batismo eu devo receber, e como estou ansioso até que isto se cumpra!” (Lc 12, 49-50). Temos diante de nossos olhos e de nosso coração um mundo complexo e desafiador. Não nos cabe esconder-nos no medo e no desânimo, pois o Senhor venceu o mundo (Cf. Jo 16, 33). A partir das manifestações de Jesus, diante dos estranhos e distantes, frente às gerações que o esperam, ou nos lares nos quais já falta o vinho da alegria, ninguém fique desanimado, mas assuma com coragem o desafio da evangelização.
De fato, vale para todos os cristãos a proposta da Igreja: “A tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja; tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade atual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na Santa Missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição” (Evangelii nuntiandi, 14).
Evangelizar é graça a ser pedida e acolhida. Só o Espírito Santo pode mover os corações e transformá-los por dentro, sem violentar-lhes a consciência e a liberdade. A todas as pessoas que aceitarem este desafio, nossa proposta é de uma intensa vida de oração, rezando pela evangelização, especialmente nas periferias geográficas e existenciais, nos ambientes mais difíceis existentes na Igreja e no Mundo. Evangelizar é vocação! Não é lícito à Igreja e aos cristãos fugir da raia! A todos, sem exceção, nos diversos estados de vida, cabe uma tarefa evangelizadora. Cada um descubra seu lugar, pois não existe cristão sem vocação! O documento de identidade da Igreja é a Evangelização. Ela existe para que todos os homens e mulheres conheçam a Jesus Cristo, a ele venham a aderir e viver a plenitude da vida que só o Senhor pode oferecer. Os cristãos tenham o rosto da alegria do Evangelho, que “enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Evangelii Gaudium, 1).
Por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)