O feriado de 2 de novembro chama a atenção de todos para algumas realidades nem sempre presentes em nosso cotidiano: a saudade de quem partiu, a consciência de nossa finitude, a elaboração do luto. Enfim, o tema da morte e do morrer emergem do calendário para uma retomada de consciência sobre a vida.
Nós humanos temos uma única certeza sobre o futuro: sabemos que iremos morrer. Viver e morrer estão intimamente conectados. Presente e futuro nos fascinam, porque queremos vislumbrar as conquistas e realizações, tanto quanto nos atemorizam a frustração, o limite e o fim. Em nossos dias muitos tabus, preconceitos e mitos foram vencidos. Infelizmente, porém, cresceu o tabu a respeito do morrer. Esse assunto é indesejado e até camuflado nas conversas diárias.
A morte traz consigo novas interrogações e discussões. Cada área do conhecimento humano tem sua percepção sobre essa dimensão. Algumas respostas são mais positivas que outras. Biologicamente estamos sempre findando: células morrem, são eliminadas e outras surgem. A morte não é um instante, mas um processo biológico e espiritual. O ser humano é essencialmente um ser para a morte: aprender a viver é aprender a morrer.
As religiões são depositárias dessa sabedoria. Não é possível perceber a morte apenas como uma finitude fisiológica, como se fosse a negação da vida ou o fim do sujeito que vive no tempo e no espaço. O ser humano, diferente dos demais seres, sabe que vai morrer, tem consciência dessa limitação e por isso não nasce determinado e nem se move apenas por impulsos biológicos, mas vai construindo sua vida e se construindo. É morrendo que se vive para o eterno.
Toda pessoa que morre é parte deste mundo visível. A história, as experiências, as alegrias e os sofrimentos marcam definitivamente cada um de nós. O que mais determina nosso ser, entretanto, são as relações. Durante a vida conhecemos uma família, crescemos entre amigos, temos colegas de trabalho, escolhemos pessoas mais íntimas, formamos nova família e experimentamos a amizade, o amor e a comunhão. Dificilmente alguém é feliz na solidão e no isolamento. Somos seres essencialmente relacionáveis. O tempo passa e com ele passamos também nós. Nascemos, crescemos, amadurecemos, envelhecemos e morremos. Este percurso da existência humana é uma realidade fascinante. Há quem sofra o horror desse princípio de impermanência de tudo o que vive. Há, contudo, quem encontre a razão de ser neste movimento de nascer, viver e morrer.
Os cristãos definem a morte como páscoa, isso é, passagem. Não passagem de uma realidade para outra totalmente diferente, mas de uma situação limitada para outra, continuada, mas descontínua. O morrer é um adormecer para este mundo limitado pelo tempo e pelo espaço e acordar nas potências infinitas do Criador. Trata-se do encontro que dá significado a toda experiência humana. Ensina o cristianismo que em Jesus Cristo, apesar de vivermos na contingência do tempo, já somos eternos, porque somos filhos da Luz. É por isso que os cristãos já sabem ser ressuscitados e a morte não pode lhes separar de Cristo, como escreve Paulo Apóstolo.
Oxalá todos pudessem perceber, além das crenças e religiões, esse elemento comum a todo ser humano: há algo em nós que não morre. Quem consegue fazer essa experiência durante a vida, percebe a morte de outra forma. O melhor sinalizador de tudo isso é que homens e mulheres edificaram crenças e religiões que afirmaram essa realidade profunda: fomos criados no tempo para sermos eternos.
Por Dom Leomar Antônio Brustolin – Bispo auxiliar de Porto Alegre