O Anseio por Deus e a Divinização do Homem

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Com o presente artigo, começamos uma série de reflexões voltadas ao aprofundamento da fé e ao amadurecimento da espiritualidade cristã. Para nos orientar neste caminho, utilizaremos o estudo realizado pelo professor Gregory K. Popcak, da Universidade Franciscana de Steubenville – EUA, e exposto em seu livro “Deuses feridos – os sete anseios do coração humano”.

Todas as pessoas possuem anseios e aspirações particulares que as motivam e direcionam em suas vidas. Muitas vezes, encontrar o caminho certo é um grande desafio. Esta situação se torna ainda mais dramática quando examinamos a dimensão do desejo humano sob a influência da concupiscência interior. Por causa do “desajuste” provocado pelo pecado original é fácil se perder entre os muitos apetites e interesses diários e fazer escolhas equivocadas. Frente a essa perspectiva, Popcak destaca a necessidade de um reordenamento da natureza humana em direção a Deus (Deuses feridos, 2022, p. 13), que no final das contas, equivale a uma espécie de divinização, pois à medida que nos aproximamos de Deus, participamos mais intensamente de Sua vida divina.

Portanto, o primeiro anseio que o homem possui é o anseio de Deus. Essa verdade é expressa pelo fato de não se encontrar algo próprio desse mundo que seja capaz de satisfazer totalmente a vontade humana. Mesmo as coisas boas, se experimentadas sem o contorno e a presença de Deus, não são capazes de proporcionar saciedade. Cada pessoa é criada para a eternidade, e o apetite insaciável que experimentamos nessa vida reflete isso. Santo Agostinho chega a sugerir que todos os desejos humanos, no fundo, são uma busca por eternidade, apesar de muitas vezes se manifestarem de formas distorcidas (Confissões, 1997, p. 22).

Vejamos, como exemplo, o encontro de Jesus com a samaritana no Evangelho de João 4, 13-15. No texto, uma mulher vai ao poço de Jacó retirar água, e está claramente insatisfeita. O Senhor lhe conta a história sobre a fonte de água que jorra para a vida eterna, e o anseio que ela sente por Deus torna-se evidente quando exprime seu interesse em tomar daquela água com a finalidade de não sentir mais sede. No âmago da sua existência, o que aquela mulher mais desejava era o estabelecimento de uma comunhão profunda e amadurecida com Deus. Ao encontrar Jesus, ela tem esse anseio divino satisfeito e parte decidida a viver de modo diferente e abandonar o pecado da fornicação e do adultério.

Conforme Popcak (Deuses feridos, 2022, p. 56), quando se compreende a dimensão do desejo humano, em última instância, como desejo de Deus, e se adota um olhar sobrenatural sobre todos os eventos da vida, enxergando neles a possibilidade de união com Cristo, dá-se início a vida interior e a mística. O homem foi feito por Deus e para Deus e a sua permanência nesse mundo atinge o ápice a partir do momento que, aproveitando todas as oportunidades habituais, forja uma verdadeira amizade com Cristo, “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sois meus amigos se praticais o que vos mando” (Cf. Jo 15, 13-14).

Esse ponto de vista está de acordo com os documentos do Concílio Vaticano II, Lumen Gentium e Gaudium et Spes, que ensina que a santidade deve ser uma realidade viva e presente no cotidiano de todos os cristãos. Ela é alcançada através das ações diárias, na forma como se trabalha, se vive em família e se interage com a comunidade. O Concílio convida os fiéis a enxergarem cada aspecto da vida como uma oportunidade para viver a santidade e testemunhar a presença de Cristo no mundo.

Pe. Roberto César Braga
Formador no Seminário Diocesano São José

 

Referências:
BÍBLIA DE JERUSALÉM. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2002.

POPCAK, G. K. Deuses feridos: Os sete anseios do coração humano (B. Costa Sales de Oliveira, Trad.). São Paulo: Editora Cultor de livros, 2022.

SANTO AGOSTINHO. Confissões (J. Ferreira, Trad.). São Paulo: Editora Paulus, 1997. (Obra original publicada em 397-400).