No ano passado fomos convidados a viver o Ano da Misericórdia. Como se sabe, o Papa Francisco teve uma experiência forte da misericórdia ainda jovem, quando, ao participar da Missa na festa de São Mateus, ouviu a narração da vocação deste apóstolo.
Ao ser eleito Bispo, em 1992, escolheu como lema episcopal uma expressão da homilia de São Beda sobre a vocação de Mateus que diz: “Misericordiando atque eligendo”, isto é, “com misericórdia o olhou e escolheu”, lema que continuou em seu brasão pontifício.
Em sua Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia Misericordiae Vultus (MV) o Santo Padre, citando Santo Tomás de Aquino, enfatiza que Deus é todo-poderoso no perdão e na misericórdia (MV 6) e é assim que se manifesta seu poder. A misericórdia é uma qualidade da onipotência de Deus.
Redescobrir as obras de misericórdia
Foi um vivo desejo do Papa Francisco que os cristãos redescobrissem as sete obras de misericórdia corporais e as sete obras espirituais, para despertar a consciência adormecida diante de dramáticas situações de pobreza (MV 15).
No entanto, no dia 1º de setembro de 2016, em sua Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, o Pontífice acrescentou uma oitava obra a cada um destes elencos: “cuidar da criação”, porque, segundo ele, todas as obras convergem para o cuidado com a vida.
Nas obras de misericórdia corporais, esse cuidado se manifesta com pequenos gestos de respeito ao meio ambiente; nas obras espirituais, manifesta-se como um louvor ao Criador por todas as suas obras. Assim como São João Paulo II, que acrescentou um mistério ao Rosário, para responder à fé do povo, o Papa Francisco o fez com relação às obras de misericórdia, acrescentando mais uma, para responder aos desafios de nosso tempo.
A fé sem obras é estéril
Assevera o Papa Francisco que a prática das obras de misericórdia permite a todos nós aferirmos se vivemos ou não como discípulos de Jesus (MV 15). Afinal de contas, não nos será perguntado pelo número de comunhões que fizemos, de terço que rezamos ou adorações de que participamos, porque precisamos disto tudo para praticar aquilo que é o mais importante: as obras de misericórdia.
Sem elas, tudo o mais ficará ritualismo vazio e estéril, que não servirá para nada, pois a fé, sem obras, é morta em si mesma (Tg 2,17). Como adverte o Papa, não poderemos escapar das palavras do Senhor em base às quais seremos julgados, a saber: Eu tive fome…tive sede…estava nu…estive doente ou preso…fui estrangeiro (MV 15).
Não basta, no entanto, a prática assistencialista destas obras. Com relação ao social, diz-se que os cristãos são ótimos enfermeiros, isto é, atendem às consequências, mas péssimos médicos, quer dizer, não eliminam as causas. Sem deixar de preocupar-se com as necessidades mais imediatas e com as situações de emergência representadas pelas obras de misericórdia corporais, é necessário ter um horizonte maior, que se preocupe com a transformação das estruturas geradoras da miséria e da fome.
Isto implica, segundo o Papa Francisco, em um compromisso, tanto para transformar uma economia geradora de morte, quanto para realizar pequenos gestos de solidariedade com os mais sofredores (EG 53;188).
Enfim, devemos fazer um encontro com o rosto misericordioso de Deus, revelado em Jesus Cristo, para sermos sinal da misericórdia no mundo. Como diz o Papa, “não nos deixemos cair na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito /…/ e no cinismo que destrói” (MV 15). Afinal, somente os misericordiosos alcançarão misericórdia (Mt 5,7).
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Padre Antonio Aparecido Alves é Mestre em Ciências Sociais com especialização em Doutrina Social da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e Doutor em Teologia pela PUC-Rio. Professor na Faculdade Católica de São José dos Campos e Pároco na Paróquia São Benedito do Alto da Ponte em São José dos Campos (SP).