No início da década de 70, atendendo ao apelo do Papa Paulo VI: “O dever de fomentar as vocações sacerdotais pertence a toda a comunidade cristã, que, em primeiro lugar, deverá cumpri-lo por meio de uma vida plenamente cristã” , acontece no Brasil o primeiro mês vocacional. Especificamente no ano de 1971, na Diocese de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, o mês de agosto passou a ter, pela primeira vez, essa intenção particular para a Igreja : intensificação das orações pelas vocações sacerdotais e religiosas; e encontros vocacionais com o objetivo de promover o discernimento vocacional e encorajar os fiéis a rezarem pelas vocações.
Quantos frutos as orações e encontros vocacionais, ao longo destes 50 anos, renderam para as dioceses de nosso País. Na diocese de Uruaçu é notório o apreço enorme que padres e fiéis têm por este mês e, em todas as Paróquias da Diocese, se busca dar ênfase ao tema das vocações e promover momentos para oração e discernimento dos que se inquietam com a Voz do Senhor.
Além do inevitável foco nas vocações consagradas e religiosas, que é um elemento presente desde a definição do mês agosto como mês vocacional, tem-se também, ao longo do mês, uma apreciação pelo tema vocação em sua concepção mais ampla: como marca do sentido primeiro e última da existência humana. Neste ano, em particular, a temática vocacional do mês de agosto, ganha ainda mais relevância, por se tratar do terceiro ano vocacional no Brasil.
Este terceiro Ano Nacional das Vocações traz como lema: “corações ardentes e pés a caminho” , apontando a íntima relação entre o chamado que Deus faz a todos, acendendo neles a chama que faz arder o coração, e a Missão inerente a esse dom de si que é a resposta vocacional. O ano vocacional alerta para a tomada de consciência de que na Igreja todos são vocacionados, o batismo é a marca que distingue os que foram chamados por Deus a serem filhos e herdeiros dos bens eternos.
A igreja é uma comunidade de vocacionados . É preciso pensar seriamente sobre isso! Todos na Igreja são vocacionados, ninguém é Igreja por movimento unilateral de querer ser Igreja, todos que são Igreja o são porque foram chamados e aceitos por Deus. Qualquer um que seja Igreja, o é porque responde “sim” ao chamado de Deus e, qualquer missão que a pessoa abrace enquanto Igreja, é marca da sua essência vocacional. Ninguém deve sentir-se funcionário da Igreja na obra da evangelização, nem deve definir-se como voluntário ou mesmo um quebra-galho pastoral, pois o “ser Igreja” é essencialmente vocacional. A proposta do Ano Vocacional é, portanto, reacender em cada cristão a consciência da essência vocacional de nossa pertença à Igreja. Somos uma comunidade de vocacionados e todos os batizados são, por vocação, membros do Corpo de Cristo e constituem, vocacionalmente, a comunidade Igreja. Nossa comunhão eclesial revela nosso ser vocacionado: que é ser chamado, ser sustentado e ser enviado. Ninguém é Igreja por voluntarismo ou por funcionalismo, o espírito que deve reinar no coração de cada cristão é o de ser Igreja porque Deus o chamou e de ser membro de pastorais ou movimentos porque Deus mesmo o enviou, pois, antepondo a qualquer vocação específica, está a vocação por excelência que é o chamado que Deus faz atraindo para Si e que só pode ser respondido quando se compõe a sua Igreja, tornando-se família de Deus e herdeira dos bens eternos.
A primeira semana do mês vocacional é um chamado a contemplar, na sua particularidade, a vocação ao ministério ordenado, um convite a voltar a atenção para os que foram, são e serão chamados ao ministério ordenado: o Papa, os bispos, os padres e os diáconos. Portanto, aqui, faz-se importante tecer algumas palavras sobre esta vocação tão sublime que implica uma entrega total, com um coração indiviso e amor sobrenatural.
Que sacerdote, ao longo de suas idas e vindas da lida ministerial, nunca ouviu de alguma criancinha um: “Mamãe, olha o padre!”? Qual padre nunca se deparou com uma criança que ao vê-lo, enroupado em sua vesta talar, ficara tomada de encantamento e, de modo eufórico, anunciara a quem está em sua tutela: “…olha o padre!”!? Essa manifestação tão natural e simples revela algo que precisa ser recolocado em sua centralidade na compreensão do Sacerdócio Ministerial. A criança, nesse contexto apresentado, parece anular a particularidade da pessoa do padre ao vêr-se no encanto do sacerdócio que ele traz consigo… ela, com toda sua inocência, ao reconhecer, pelas vestes sacerdotais, o padre, se dá conta naturalmente de que não se trata de alguém como o tio, o avô, o pai ou qualquer pessoa que faça parte da sua vida. A criança transcende qualquer elemento particular da pessoa do padre, para ela é como se o sacerdócio que ele traz consigo lhe houvesse extraído toda sua particularidade como pessoa. É o padre, só isso. Não precisaria nem ter um nome, é suficiente que seja o padre.
Ao trazer esse exemplo, quero chamar a atenção para a especificidade da vocação do ministro ordenado, enquanto vimos na proposta do Ano Vocacional o chamado divino como algo feito a todos, também é verdade que ele é um chamado único para cada um e específico para cada missão. O chamado ao ministério ordenado, o chamado a ser padre, é um chamado que pede mais que uma tarefa, mais que uma missão, pede uma entrega total e totalizante de vida. É uma vocação que só pode ser concretizada quando a pessoa chamada aceita ser toda de Deus e, por Deus, ser entregue sem reservas ao povo. O padre não se dá ao povo, ele se dá a Deus e, por essa entrega total, ele permite que Deus o entregue ao povo para que seja o sinal visível da presença invisível de Cristo em sua Igreja.
Neste primeiro fim de semana de agosto, de modo muito especial, se pede a oração pelo Papa, pelo Bispo e pelos sacerdotes. É significativo recardar nas orações o padre que o batizou, lhe deu a primeira comunhão, lhe assistiu com os sacramentos e oração e que se entrega em sua comunidade com o zelo e o amor do Bom Pastor; rezar igualmente pela juventude diocesana, pelos jovens da Paróquia, os da própria família, para que se deixem tocar pelo chamado Divino e não tenham medo de darem o passo de amor e entrega da própria vida a Deus; rezar pelos seminaristas que estão iniciando sua etapa formativa, pelos que estão no caminho do discipulado e da configuração ao Cristo autor de toda vocação. Que a Igreja seja cada vez mais uma comunidade dos chamados por Deus e que não temem responder o sim generoso ao seu apelo.
Pe. Edval Rodrigues Camelo
1 Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II, Decreto Optatam Totius, n.2, Editora Paulus, São Paulo, 2014
2 Cf. https://www.diocesedesantoangelo.org/single-post/2020/08/02/como-surgiu-o-m%C3%AAs-vocacional-no-brasil
3 Texto Base do 3º Ano Vocacional, Edições CNBB, 1ª edição, Brasília – DF, 2022
4 Cf. Texto Base do 3º Ano Vocacional, n.10
5 Cf. Texto Base do 3º Ano Vocacional, n.84
6 Em alguns casos, essa entrega total, que é um completo esvaziamento de si mesmo, vem traduzida ritualmente no momento dos votos ou ordenação, quando o vocacionado perde até o seu nome batismal.