A oração cristã tem seu modelo no próprio Senhor Jesus Cristo. O Evangelho de São Lucas apresenta uma série de eventos em que Jesus está efetivamente em oração (Pelo menos dezenove vezes!). Para Jesus, orar é estar no relacionamento com o Pai e o Espírito Santo, pois ele é Deus. E está sempre unido ao Pai, para fazer sua vontade, realizar o plano de amor e salvação para a humanidade. Diante da perseguição, incompreensão ou sofrimentos, a ele se aplica a palavra do salmista: “Em troca de minha afeição, me caluniam, enquanto eu fico rezando” (Sl 109/108, 4). Aos discípulos Jesus ensina a oração por excelência, que é o Pai Nosso, e se desdobra em atenções para que os que o seguem, em todas as gerações, descubram o modo de rezar sempre. De fato, São Lucas nos conta que “Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de orar sempre, sem nunca desistir” (Cf. Lc 18, 1-8), na leitura proclamada pela Igreja neste final de semana. Mais adiante (Cf. Lc 18, 9-14), além da oração insistente, na Parábola do Fariseu e do Publicano, Jesus propõe a humildade e o realismo como caminho da verdadeira oração.
Jesus, ao contar a Parábola do juiz injusto e a pobre viúva, mostra duas figuras da vida real, presentes também em nosso tempo. Isso revela que ele conhecia bem a sociedade de seu tempo e de nosso tempo! Um juiz insensível a Deus e o próximo e uma mulher pobre, lutando pelos seus próprios direitos. Faz pensar na quantidade de processos encaminhados à justiça, ou nas imensas filas que serpenteiam a proximidade de repartições públicas, postos de saúde e hospitais, ou passar pelos corredores de pronto-socorro repletos de macas, com enfermos tratados com extremo relaxamento. Dá para pensar no desleixo encontrado, quando nem o material necessário à confecção de carteiras de trabalho está à disposição das pessoas que têm o direito a tal documento, ou o desrespeito com que os pobres são tratados, ao buscarem os diversos serviços pelos quais pagam através dos impostos. Clama ao Céu a avalanche de corrupção que se espalha em todos os poderes do sistema que desejamos chamar democrático! É difícil, infelizmente, identificar em qual dos três poderes, executivo, legislativo e judiciário, existe mais corrupção e até maldade.
A Parábola contada por Jesus deixa entrever o contraste violento entre grupos sociais, mas aponta para a solução encontrada pela viúva. Mesmo sem temer a Deus e não respeitar a ninguém (Cf. Lc 18, 4), o juiz acaba atendendo o pleito da pobre mulher, para livrar-se de sua insistência (Cf. Lectio divina sui vangeli festivi, a cura di Anthony Cilia, O.Carm, Elledici, Leumann – TO, 2012). Até aqui a Parábola, mas Jesus, e só ele pode fazer isso, passa do juiz ao Pai do Céu. Quem de nós teria coragem suficiente para ir de um extremo ao outro em semelhante comparação? O que importa para o Senhor é a atitude da viúva que, graças à sua insistência, obtém o que quer.
E aqui retornamos ao propósito da Parábola, que é rezar sempre, e nunca desistir. A oração expressa o desejo de estar em plena sintonia com Deus o dia inteiro. Para Jesus a oração era intimamente unida à vida, aos fatos concretos, às decisões a serem tomadas. Para ele e para os discípulos, que somos todos nós, ser fiéis a Deus significa permanecer com o Pai, abrir-se às inspirações do Espírito Santo, escutar a Deus.
A oração de Jesus começa com o louvor, assim como há de ser a oração do cristão: “Naquela mesma hora, ele exultou no Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado'”(Lc 10, 21). Ou, em outra ocasião: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade, vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem não faz conta de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna. Se alguém quer me servir, siga-me, e onde eu estiver, estará também aquele que me serve. Se alguém me serve, meu Pai o honrará. Minha alma está perturbada. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!’ Veio, então, uma voz do céu: ‘Eu já o glorifiquei, e o glorificarei de novo'” (Cf. Jo 12, 23-28). Trata-se de um diálogo profundo de amor, uma oração alegre, que dá gosto!
Em seguida, a oração se transforma em ação de graças pelo que Deus faz em nossa vida. Após a cura de dez hansenianos, “Jesus perguntou: ‘Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?’ E disse-lhe: ‘Levanta-te e vai! Tua fé te salvou'” (Lc 17, 17-19). Tanto é importante a gratidão alegre, que a vida da Igreja tem seu centro justamente na Eucaristia, que quer dizer “ação de graças”.
Rezar é ainda pedir perdão, reconhecer-se fraco e pecador, confiando totalmente na misericórdia de Deus, tanto que o Senhor diz que “haverá no céu alegria por um só pecador que se converte, mais do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15, 7). E os mais frágeis e pecadores de todos os tempos a ele acorrem confiantes. A cada Missa dizemos “Confesso a Deus todo-poderoso e a vós irmãos, que pequei muitas vezes…”. E a graça do Sacramento da Penitência é um encontro maravilhoso de oração e partilha de amor, na misericórdia oferecida por Deus.
Após o louvor, a ação de graças e o pedido de perdão, a oração cristã se faz súplica, na certeza de que Deus conhece as nossas necessidades e quer conhecer nosso compromisso com seu plano e nossa adesão à sua vontade. Podemos pedir tudo, desde que o coração seja de filho e filha que desejam apenas o bem. E Deus é o bem maior. A comunhão com ele, a participação no mistério de amor de seu Filho, que por nós morreu e ressuscitou, tudo nos envolve numa voragem de amor que liberta e faz alcançar todas as graças. Inclusive será graça pura quando virmos nossos eventuais pedidos não serem atendidos. Basta esperar um pouco para verificar que o Senhor nos deu mais e muito melhor daquilo que eventualmente pretendíamos.
“Ó Espírito Santo, vem em socorro de nossa fraqueza e ensina-nos a rezar. Sem ti, Espírito do Pai, não sabemos nem mesmo o que devemos pedir, nem como pedir. Mas tu mesmo, vem em nosso socorro e reza ao Pai por nós, com suspiros que nenhuma palavra pode exprimir. Ó Espírito de Deus, tu conheces nosso coração: reza em nós como o Pai deseja. Ó Espírito Santo, vem em socorro de nossa fraqueza e ensina-nos a rezar” (Cf. Rm 8, 26-27).
Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará