Por que sofremos?

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Franz Kafka descreve o ser humano como um condenado à morte que ignora, contudo, como será a sentença que lhe será decretada. Ele não sabe por que deve morrer e não compreende o sentido dessa experiência. Albert Camus concebe o ser humano como alguém que busca o inatingível. Mas, na medida em que passa a vida, descobre que não consegue alcançar as mais profundas aspirações. Dessa forma, constata o absurdo de sua existência. Há esvaziamento de sentido de sua humana vivência na terra.

Nesses casos, não se concebe a beleza da existência como um benefício da bondade divina, que é o fundamento de todos os outros bens. Quando se percebe a realidade da existência nos confins de nossa vida na terra, interpreta-se que a cadeia de acontecimentos vividos desemboca necessariamente no desespero. Entende-se a vida apenas como uma evolução penosa rumo a um destino ignorado.

Em tempos de profunda crise de esperança, de incapacidade de sonhar e projetar o futuro, de preferir eternizar o presente para que seja eterno enquanto dure, toda experiência de dor tende a ser camuflada ou intencionalmente “esquecida”, se é que é possível enganar-se tanto e por muito tempo.

A experiência da vida humana é uma alternância de alegrias e sofrimentos. Tristeza e dor nem sempre dependem da vontade humana. Pode-se até pensar o mal como uma anomalia da criação ou um escândalo que remete a tantas interrogações: por que sofrer? O mistério do mal sempre afetou o ser humano ao longo da história. A dor aparece como a privação do bem ou uma ruptura, ou mesmo uma desordem.

A fé não suprime a dor, mas a despoja do seu estilo punitivo. Para quem crê, o sofrer estabelece uma intimidade com Cristo. A partir da experiência de Jesus na carne, o Filho de Deus viveu o sofrimento. Com Ele, o sofrer implica tentação e convite. Tentação porque a dor, seja de qual tipo for, ameaça todas as seguranças e certezas da pessoa. Ela é uma ruptura que pode fragmentar todo o indivíduo. Reagir com revolta diante da dor é a atitude de quem não consegue avaliar os limites da natureza e termina imputando a Deus a impotência humana. Sofrer também implica convite, porque ao absurdo da dor se contrapõe a solidariedade de Cristo, que modifica o sentido do sofrimento. Quem sofre pode crescer moral e espiritualmente com essa experiência. É claro que poucos são os que conseguem viver tudo isso numa enfermidade. Depende de fé. Só o crente pode abrir caminhos de libertação da escravidão imposta pelo mal. Assim, não interessa quanto se sofre, mas como se sofre.

A fé não pode ocupar-se em responder sobre o porquê da dor. Na Bíblia não se encontra uma solução racional para essa questão. Mesmo que os textos tendam, na maior parte, a conceber a dor como resultado de uma desordem introduzida no mundo pelo pecado, biblicamente não se sustenta a ideia de que a dor é resultado de um destino cego que advém sobre a humanidade. Muito mais é entendida como uma disposição da insondável sabedoria divina, diante da qual o ser humano deve reverenciar pela força da fé.

Assim, a dor não é uma vingança, tampouco um castigo divino para descontar as faltas humanas. Mas a dor tem sempre um significado, seja para o justo quanto para o pecador. É um caminho para que a humanidade alcance a felicidade eterna. Por um lado, induz o pecador a abandonar o pecado e voltar-se para Deus. Por outro, o sofrimento é vivido pelo justo como um meio da pedagogia divina. Eis o desafio: aprender a amar mesmo em meio ao sofrer.

Por Dom Leomar Antônio Brustolin – Bispo auxiliar de Porto Alegre