Antes de tudo, uma pequena nota explicativa. Nossa dileta Diocese de Uruaçu, no dia 17 de junho desse ano, recebeu a excelente notícia (Boa Nova!), vinda dos lábios e autorização do Papa Francisco, da nomeação ao episcopado do Padre Giovani Carlos Caldas Barroca, cujo mesmo, a partir de setembro, virá para pastorear essa Igreja Particular. Por isso, nesse mês de agosto, dedicado inteiramente à meditação, reflexão e oração pelas vocações, queremos, como filhos e filhas desse Deus amoroso e misericordioso, render graças por nos ter atendido e enviado nosso próximo bispo, após mais de um ano de espera e cantando o refrão famoso: “Enviai, Senhor, muitos operários para a vossa messe…”. Enfim, nossas preces bateram às portas do Coração de Deus e Ele nos atendeu.
Voltemos ao nosso tema. O artigo começa com uma pergunta: “Quem é o bispo?”. Quem é que nunca teve a curiosidade de um dia, seja em casa, na família, na catequese, nos círculos de amigos em um grupo de oração ou em uma reunião de pastoral, ou mesmo dentro de um contexto litúrgico da Santa Missa de se fazer esse questionamento? É inevitável não querer saber quem é esse homem que usa uma espécie de “chapéu grande e bicudo” (mitra), como um dia me disse uma criança na catequese de primeira comunhão, e entra nas Igrejas segurando uma haste (que chamamos de báculo) em formato de cruz. Realmente nos chama a atenção esse homem que, numa celebração crismal, aparece em nossa paróquia e preside a celebração tecendo reflexões sobre os dons do Espírito Santo e exortando o povo a se lembrar de sua própria confirmação recebida em um dia parecido. Sem sombra de dúvidas, a figura do bispo prende a nossa mente no sentido em desejar saber quem ele é. Eis o objetivo desse artigo.
Perguntar “o que é” alguma coisa nos faz refletir sobre a sua natureza, a sua constituição, a sua origem. A palavra “bispo” se origina da língua grega (episkopos), e significa literalmente “superintendente”, ou seja, é aquele que supervisiona, administra, lidera. Nesse sentido, começamos a entender que o bispo em uma diocese é aquele que tem o encargo de organizar e administrar toda a Igreja (ou diocese) que lhe foi confiada. E essa organização e administração envolvem todo um universo de responsabilidades pastorais, espirituais, administrativas, econômicas etc.
A pergunta a respeito da constituição ou origem do “bispo” pode ser respondida trazendo elementos da catequese da Igreja sobre os fundamentos da nossa fé: a Bíblia, a Tradição e o Magistério.
Recorremos, primeiro, às Sagradas Escrituras para verificar sua constituição e o que de fato deve o bispo levar em consideração quando é chamado a exercer o seu ministério (serviço) episcopal. No Novo Testamento encontramos algumas passagens onde não somente o termo “bispo” está presente, mas também o seu significado e emprego. No livro dos Atos dos Apóstolos (At 20,28) os bispos são instruídos e exortados ao “cuidado” de si mesmos e do rebanho confiado, pois foram constituídos “pastores” pelo Espírito Santo e às custas do doloroso sacrifício de Cristo. Em outro lugar (1 Tm 3,2), o bispo é encarregado de um ministério de “vigilância”, isto é, nas palavras de São Paulo ele deve ser irreprovável, fiel, sóbrio, modesto, cortês, hospitaleiro, bom mestre, austero, amável, pacífico, desinteressado. Todas essas virtudes, segundo o texto sagrado, são dignas de crédito àquele que aspira ou é indicado ou nomeado a tão excelsa posição e missão na Igreja. Em outra parte (Fl 1,1), encontramos os bispos recebendo o tratamento de “consagrados”, isto é, são homens dedicados exclusivamente ao trabalho daquilo que é sagrado, santo e incorruptível, com a finalidade irrepreensível à “edificação do Corpo de Cristo” (Ef 4,12) que é a sua Igreja. Podemos ainda encontrar outras referências à origem do episcopado, suas funções, qualidades e distinções em relação aos “presbíteros” e “diáconos” em textos como Tt 1,7; Rm 12,8; 1 Ts 5,12; 1 Tm 5,17; Ef 4,11; e outros.
Não somente a Bíblia nos traz informações sobre a identidade dos bispos, mas de igual modo a grande Tradição da Igreja. E quando falamos de “tradição”, queremos enfatizar o sentido de “passar adiante”, “transmitir às futuras gerações” e, no tocante a esse artigo, a Igreja perpetua o significado e missão do “episcopado” no tempo. Um documento do primeiro século intitulado “Didaqué” (ensino) e o escritor eclesiástico Clemente de Alexandria já nos indicavam que o episcopado deve ser exercido de uma maneira “colegial”, ou seja, uno e indiviso na mesma fraternidade junto à Pedro (Papa), para realizar o mandato de Cristo de anunciar o Evangelho e de guiar pastoralmente a Igreja, a fim de que ela cresça em todo o mundo e, embora na diversidade de tempo e lugar (por isso católica e universal), dê continuidade à sua natureza de comunidade apostólica. Assim sendo, o episcopado não é um serviço individualizante, antissocial e em tons egoístas, mas se insere dentro de um “colégio” (como o grupo dos Doze Apóstolos), constituindo assim o chamado “afeto colegial ou colegialidade afetiva” (como diz a Exortação Apostólica Pastores Gregis de João Paulo II).
Um outro expoente importante da tradição é Inácio de Antioquia, e seus ensinamentos estão contidos em suas conhecidas “cartas” dirigidas às comunidades. Esse santo e mártir nos ensina, dentre muitas reflexões sobre a identidade do bispo, que a Igreja deve ter respeito, obediência e submissão a ele, pois, em suas próprias palavras, escreve: “nada deve ser pensado ou realizado sem o bispo”; “é preciso obedecer sem nenhuma hipocrisia”; “sei que o bispo, para servir à comunidade, não obteve o ministério por si mesmo, nem pelos homens, mas pelo amor de Deus e do Senhor Jesus Cristo”; e ainda uma de suas meditações mais belas sobre a figura do bispo é esta quando ele diz que “onde aparece o bispo, aí esteja a multidão, do mesmo modo que onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica”. Em suas palavras podemos vislumbrar a sua própria vida, pois também era bispo, liderava comunidades, exortava à unidade da Igreja, combatia as ideias contrárias à fé, tinha consciência de seu chamado e tarefa junto ao povo, e foi o primeiro a chamar a Igreja de “católica” tendo em vista a amplitude universal da salvação e a abrangência geográfica da Igreja em todo o mundo. Muitos outros grandes nomes da tradição eclesial poderiam entrar aqui nessa reflexão, mas estes referenciais acima nos ajudam a compreender melhor quem é o bispo e a sua identidade.
Quanto ao Magistério da Igreja, dentre as inúmeras bases teológicas da origem episcopal, ficaremos apenas com o seu “fundamento trinitário”. De maneira ligeira, mas compreensiva, o bispo é visto como uma imagem da Trindade, ou seja, ele é constituído “Pai” de uma comunidade, exerce a paternidade, a autoridade, a bondade, o amor e dispensador da vida em meio ao povo; por outro lado, é imagem do “Filho” no sentido que é pastor, esposo, mestre e pontífice da Igreja; finalmente, o bispo é imagem do “Espírito Santo”, pois possui a “plenitude do Espírito” que o habilita a confirmar os fieis no batismo e a testemunhar os dons recebidos em favor da Igreja.
Portanto, há ainda muitos detalhes a serem meticulosamente estudados sobre a identidade do bispo, no entanto, por se tratar de um artigo catequético e informativo para nossa formação, pudemos compreender um pouco mais sobre a figura do epíscopo, sua origem e constituição. A pergunta “Quem é o bispo?” não pode ser confundida com a pergunta “Quem é um bispo?”, pois, em nossa época, por causa da diversidade religiosa tão marcadamente presente e atuante e, também, pelo fato de as mesmas possuírem outras percepções teológicas sobre o termo “bispo”, tais denominações (ou comunidades) religiosas diferem-se essencial, doutrinal, pastoral e até biblicamente do que compreende a nossa Igreja Católica.
Em síntese, se Deus nos enviou, por meio de sua bondade e nossas orações, Monsenhor Giovani como bispo para nossa Diocese de Uruaçu, então já sabemos, por meio desse artigo, as origens de sua nomenclatura (“bispo”), mas ainda nos resta saber de sua vocação ou chamado (“O que ele vem fazer aqui?”), que será o tema de nosso próximo capítulo (ou artigo).
Pe. Edvaldo Celestino de Melo