No último dia 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedentes as ações movidas pelo estado de Mato Grosso contra a União Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) em função da demarcação de terras indígenas. A decisão reafirmou os direitos constitucionais dos povos originários e enfraqueceu a tese do marco temporal.
Depois de semanas de intensa mobilização, povos indígenas comemoraram a importante vitória. A luta contra o marco temporal não se encerra, mas uma importante batalha foi vencida.
Qual a relação entre direito e terra? Responde o filósofo, teólogo e assessor de pastorais e movimentos sociais, Ivo Poletto.
Afinal, quem tem direito em relação à terra?
Seriam só os que têm título de propriedade? Mas, em nosso país, títulos de propriedade só existem depois de 1850, a partir da Lei de Terras. Antes disso, a família real era a única dona de todo o Brasil, e entregava áreas de terra a quem ela queria. A partir da Lei de Terras, os que ocupavam essas áreas tiveram oportunidade de registrá-las e receber o título de propriedade.
É mais do que justo que os povos indígenas apresentem essa pergunta: e nós, que já ocupávamos e vivíamos em nossos territórios, por que não viramos proprietário?
A votação do STF do dia 16, decidindo que o governo do estado do Mato Grosso não tinha direito à indenização pelas terras que foram demarcadas como territórios indígenas, nos ajuda e conhecer a origem do chamado direito de propriedade. Em resumo, o direito legal de propriedade tem origem na imposição da vontade dos poderosos, que ocuparam a ferro e fogo os territórios dos povos que existiam antes de 1500 em nome e em favor do Rei de Portugal e das elites protegidas por ele. Depois disso, o que foi dado pelo rei foi transformado em propriedade legal através da aprovação de uma lei por um parlamento e um imperador que só representavam os interesses das elites privilegiadas.
Os povos indígenas não faziam parte dessas elites. Pelo contrário, as leis das elites alimentavam preconceitos em relação a eles, afirmando que eram como as crianças, e por isso não podiam ter título de propriedade, que é um contrato feito com o Estado ou com o proprietário anterior.
Agora vejam, a ação do governo do Mato Grosso revela que as elites políticas governam com a mesma visão preconceituosa em relação aos povos indígenas. Eles não têm nem podem ter direito a um território. E se um governo federal decide passar terra para eles, deve indenizar o seu dono, o Estado do Mato Grosso. Os povos não teriam direito originário aos territórios em que vivem há séculos e milênios.
Quando o nosso país aceitará o direito originário, o direito dos povos que vivem no território brasileiro há milênios, bem antes de 1500? Resta-nos torcer que pelo menos o STF o confirme ao julgar a ação do marco temporal, que pretende o absurdo de limitar este direito ao ano de 1988.
Por Rádio Vaticano com Ivo Poletto, do FMCJS