A cada ano, o Dia Mundial das Comunicações Sociais traz uma lufada de esperança para a missão do comunicador cristão. A mensagem do Papa serve de bússola para não se perder diante de tantos desafios no caminho e das bruscas mudanças na sociedade. Ao ler e ruminar a rica mensagem que Francisco nos dirigiu neste ano, fiquei ouvindo o eco da coragem. Se pudesse sintetizá-la em uma palavra, seria coragem. De pronto, me lembrei do Grande Sertão: Veredas, do aforisma que Guimarães Rosa coloca na boca de Riobaldo: “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
A mensagem divulgada no último 23 de janeiro traz a particularidade de ter sido escrita durante a pandemia da covid-19 e guiará as celebrações do 55º Dia das Comunicações, em 16 de maio, também dentro deste período peculiar. As palavras do Papa Francisco ajudarão darmos os próximos passos no tempo presente e no pós-pandemia, portanto, é um incentivo à coragem.
O pontífice valoriza esta virtude dos jornalistas que não têm medo de “gastar as solas dos sapatos” e que “vão aonde ninguém quer ir”. Este é o testemunho de coragem e determinação valorizado nos profissionais de comunicação. A humanidade, a sociedade e a democracia seriam empobrecidas, segundo o Papa, se não houvesse essa capacidade do jornalismo de ir aonde ninguém quer ir e mostrar o que precisa ser visto. Aos comunicadores que testemunham a vida desta forma, muitas vezes colocando em risco à vida por amor à missão, a mensagem é um reconhecimento. E ainda é uma chamada de atenção. Sim, é uma chamada aos comunicadores católicos – a nós, comunicadores católicos – a se preocuparem com as causas justas e necessárias e não servirem apenas a interesses de alguns poucos. Para um profissional, seria apenas a dimensão ética da comunicação. Para o comunicador que crê, é a força do Batismo que invade o seu coração e transforma o seu trabalho em missão.
A dinâmica da comunicação exige a saída das redações que se tornam palácio, a renúncia da pauta fácil que chega por redes sociais ou grupos de conversas. Quem não se arrisca a ir e ver, fica apenas na superficialidade e corre o risco de comunicar a partir de suposições. “Ouvi dizer”, “me falaram”, “estou sabendo” são expressões comuns para quem vive à sombra da comodidade e que contradiz com a comunicação autêntica difundida por Francisco. Para promovê-la, é preciso gastar as solas de sapato. E não apenas os sapatos, é preciso gastar tempo. Esta é a expressão da renúncia e do esforço, das vaidades perdidas, do apequenamento para que o outro cresça, da mística do se colocar frente a frente.
“Ir e ver”, fio condutor da mensagem, repetida várias vezes no decorrer do texto não é apenas um efeito retórico, mas um método. É assim que o Papa descreve o método “de toda a comunicação humana autêntica”. A comunicação da fé também acontece a partir do “ir e ver”, do “vem e verás”. Não se pode professar a fé sem antes fazer a experiência do encontro com a pessoa de Jesus e ser transformado por Ele.
É interessante perceber que, na mensagem de 2020, Francisco chama-nos a contar histórias, recuperando o valor das narrativas. E só se garimpa boas histórias com paciência e capacidade de escuta. Ali o Papa nos mostrou o que é preciso fazer. Agora, ele nos mostra como fazer: comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são. A capacidade da visão pressupõe o movimento de ir. O verbo encontrar aparece no tempo gerúndio, dando a entender que é uma ação que não é pronta e acabada, mas que acontece o no caminho e junto das pessoas. É uma das características da comunicação defendida por Francisco, que sempre aponta para o humano e o coloca como centro dos processos e meios. Para a vida se fazer história, é preciso “ir e ver” encontrando. Não dá para achar que já sabe, se ainda não foi ver. “Ir e ver”, à primeira vista, pode parecer apenas movimento, deslocamento… mas o próprio Papa o coloca como um método e reforça a necessidade de “ir e ver” pela repetição no decorrer de seu texto.
A mensagem do Papa é um convite ao mergulho destemido no horizonte da autêntica comunicação. O comunicador é impelido a ser possuído por ela e a lançar-se no “ir e ver”. Eis o grande desafio! O desafio de sair de nós mesmos, de tirar os olhos das telas, de sair das bolhas e dos palácios, de olhar nos olhos reais para encontrar de verdade as pessoas. Talvez precisemos fazer como Diego, da história A função da arte/2, de Eduardo Galeano, que após percorrer quilômetros com o pai para o conhecer o mar, ficou mudo diante da sua imensidão e quando conseguiu falar, só foi capaz de pedir: “Me ajuda a olhar!”
Marcus Tullius – Coordenador Geral da Pascom Brasil, membro do Grupo de Reflexão em Comunicação da CNBB e coordenador de conteúdos da TV Pai Eterno
Foto: Danilo Santos – Portal A12