O jornal espanhol El País publicou neste domingo uma longa entrevista com o Papa Francisco, concedida ao jornalista Pablo Ordaz em 20 de janeiro. Muitos os assuntos abordados: desde questões pessoais à situação no mundo e na Igreja.
A Igreja esteja perto do povo
Uma entrevista que toca muitos assuntos. Em sua primeira resposta, Francisco afirma que não mudou desde quando se tornou Papa: “Mudar aos 76 anos é como colocar a maquiagem”. Claro, ele não pode fazer tudo aquilo que quer, mas ele manteve o que chama de alma “callejera”, isto é do padre de rua que deseja estar com as pessoas. O que ele teme pela Igreja é precisamente a distância das pessoas, o clericalismo que é “o pior mal que pode ter hoje a Igreja”: um pastor anestesiado defende-se da realidade concreta do mundo e se torna um funcionário. “Uma Igreja que não está perto não é Igreja. É uma boa ONG ou uma boa e piedosa organização de pessoas que fazem caridade, se reúnem para tomar chá e fazer beneficência… porém o que identifica a Igreja é a proximidade: sermos irmãos próximos”. “A proximidade é tocar, tocar no próximo a carne de Cristo”. Como diz o capítulo 25 do Evangelho de Mateus: “tive fome e me destes de comer …”.
A revolução é feita pelos santos
Critica o fato que se fale “com facilidade da corrupção da Cúria Romana”. “Há pessoas corruptas” – sublinha -, mas também há muitos santos, pessoas “que passaram uma vida inteira ao serviço do povo de forma anônima”. “Os verdadeiros protagonistas da história da Igreja são os santos” são aqueles que “queimaram a sua vida para que o Evangelho fosse concreto. E estes são aqueles que nos salvaram: os santos”. Esta é a verdadeira revolução, a dos santos. E os santos também são os pais, as mães e os avós que trabalham todos os dias com dignidade e com as suas vidas levam avante a Igreja. Francisco a define “a classe média da santidade” e “a santidade dessas pessoas é enorme”.
Sim às críticas abertas e fraternas
A uma pergunta sobre as reações dos setores tradicionalistas que vêem qualquer mudança como uma traição da doutrina, o Papa responde: “Não estou fazendo nenhuma revolução. Eu só estou tentando fazer com que o Evangelho vá avante”. “Mas a novidade do Evangelho cria temor porque é essencialmente escandalosa”. Afirma porém que não se sente “incompreendido”, mas “acompanhado de todos os tipos de pessoas, jovens, idosos…”. “Se alguém não está de acordo” – é o seu convite – “porém que dialoguem, que não atirem a pedra e escondam a mão”. Isto “não é humano, é delinquência. Todo mundo tem o direito de discutir, mas uma “discussão fraterna”, não com a calúnia.
A teologia da libertação
Sobre a teologia da libertação sublinha que “foi uma coisa positiva na América Latina. Foi condenada pelo Vaticano a parte que optou pela análise marxista da realidade”. O Cardeal Ratzinger escreveu duas instruções, uma “muito clara sobre a análise marxista” e a outra olhando para os aspectos positivos. “A teologia da libertação teve aspectos positivos e desvios”.
Uma economia que mata
Francisco reitera que “estamos vivendo na Terceira Guerra Mundial em pedaços”. “E ultimamente fala-se de uma possível guerra nuclear, como se fosse um jogo de cartas”. O que o preocupa são as desigualdades económicas: “que um pequeno grupo da humanidade detém 80% da riqueza”. Isso significa que “no centro do sistema econômico está o deus dinheiro e não o homem e a mulher”. Estamos em uma “economia que mata” e que cria “essa cultura do descarte”.
Não julgar antecipadamente Trump
Sobre a presidência de Trump afirma: “Vamos ver o que acontece. Eu não gosto de antecipar os fatos ou julgar as pessoas antecipadamente(…) Vamos ver o que fará e avaliaremos: Sempre o concreto. O cristianismo ou é concreto ou não é cristianismo….”
Nas crises buscamos um salvador: eis o populismo
Francisco fala com preocupação do populismo referindo-se mais ao europeu do que ao da América Latina. Ele cita o exemplo do nazismo na Alemanha: um país destruído que “procura a sua identidade” e procura um líder que a restitua. Encontra-o em Hitler que “foi eleito pelo seu povo e que depois o destruiu. Este é o perigo. Em tempos de crise não funciona o discernimento … Procuramos um salvador que nos restitua a identidade e nos defendemos com muros, arames farpados, com qualquer coisa, de outros povos que possam tirar a nossa identidade. E isso é muito grave. Por isso eu repito sempre: dialoguem entre vocês”.
Salvar, acolher e integrar os migrantes
O Papa retorna sobre o drama dos refugiados: “Que o Mediterrâneo seja um cemitério, deve fazer-nos pensar”. Ele presta homenagem à Itália, que apesar de todos os problemas do terremoto continua a acolher os migrantes. São homens, mulheres e crianças que fogem da fome e da guerra. Primeiro de tudo – afirma – é preciso salvá-los, em seguida, “acolhê-los e integrá-los”. Cada país – sublinha – “tem o direito de controlar o seus confins, porém, “nenhum país tem o direito de privar os seus cidadãos do diálogo com os vizinhos”. Recorda o compromisso da Igreja, muitas vezes silenciosa, na acolhida dos imigrantes.
Construir pontes não muros
A diplomacia do Vaticano – explica – constrói pontes, não muros, é mediadora não intermediária, no sentido que as suas ações para promover a paz e a justiça não são para seus interesses próprios, mas em prol do benefício dos povos.
O papel das mulheres
Recorda ainda Francisco o drama da escravidão das mulheres, exploradas sexualmente. E, em seguida, fala sobre o papel da mulher, que deve ser valorizado na Igreja. “A Igreja – repito – é feminina”: não se trata de uma “reivindicação funcional”, pois se correria o risco de criar um “machismo de saia”. Trata-se, em vez, de fazer muito mais para que as mulheres “possam dar à Igreja a originalidade do seu ser e do seu pensamento”.
Bento XVI tem uma grande memória
Respondendo a uma pergunta sobre a saúde de Bento XVI diz que “o problema são as pernas”. Caminha com ajuda. Mas ele tem uma “memória de elefante, até mesmo nos detalhes”.
Não vejo TV desde 1990
O Papa confessa que não assiste TV há mais de 25 anos: “Simplesmente – disse – porque em um certo momento senti que Deus me pediu isso. Fiz essa promessa no dia 16 de julho de 1990, e não sinto falta”.
Cardeais dos cinco continentes
Respondendo à pergunta sobre os Consistórios nos quais criou cardeais dos cinco continentes e como gostaria que fosse o Conclave que elegeria o seu sucessor, disse que gostaria de um conclave católico.
À pergunta se ele iria vê-lo disse: “Deus é quem sabe. Quando sentir que não consigo mais, o grande mestre Bento já me ensinou como tenho que fazer”.
Deus não me tirou o bom humor
O jornalista conclui dizendo vê-lo feliz de ser Papa. Francisco respondeu: “O Senhor é bom e não me tirou o bom humor”.
Por Rádio Vaticano