“Existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte – e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou acima de tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome, para que, em nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra e abaixo da terra, e toda língua confesse: ‘Jesus Cristo é o Senhor’, para a glória de Deus Pai”. (Fl 2, 6-11)
Na Semana Santa, a mais importante do ano litúrgico, somos convidados à conversão e à renovação de vida, celebrando o mistério central de nossa fé: a ressurreição de Jesus. É o período que nos remete à antiga Páscoa – memorial da libertação do povo hebreu da escravidão no Egito – e afirma o pleno cumprimento alcançado por Jesus, libertador da humanidade da escravidão do pecado e da morte: “Esta obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus, prefigurada pelas suas grandes obras no povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão” (Sacrosantum concilium 5).
O Domingo de Ramos, no início do percurso, lembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, aonde vai livremente para completar sua missão, que culminará com a cruz. Jesus também quer entrar triunfante nas nossas vidas, fazendo-se presente na simplicidade das circunstâncias cotidianas.
Depois, no Tríduo Pascal, Jesus a aprofunda cada vez mais o seu despojar-se. Na Santa Ceia, ao lavar os pés dos seus apóstolos, convida-nos à humildade e ao serviço. Também contemplamos Cristo doar-se nas espécies eucarísticas, tornando presente, já naquele momento, “o triunfo e a vitória da sua morte” (SC 6).
Na celebração da Sexta-feira Santa, meditando o significado da morte do Senhor e, como São Bernardo, somos convidados a exclamar: “Vou buscar o que me falta confiadamente nas entranhas do Senhor, tão cheias de misericórdia, que não lhe faltam fendas por onde se derrame. Cavaram suas mãos e seus pés, traspassaram seu lado; por estas fendas é-me permitido (…) provar e ver quão suave é o Senhor” (Salmo 61).
Por fim, na Vigília Pascal nos vemos diante do sepulcro vazio. Às vezes, também nós permanecemos ali com as nossas derrotas e nossos medos, mas somos surpreendidos pelo anúncio “Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui. Ressuscitou!” (Lc 24,5-6).
A vitória sobre a morte nos alcança e convida a um relacionamento pessoal com Cristo por meio da sua Igreja, que, prosseguindo na sua missão, proclama ao mundo a sua vitória: “Adão (…) eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; eu te ordeno: ‘Acorda, tua que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-se dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te!” (homilia anônima, século IV).
“Para que o cristão possa viver todos esses momentos com intensidade é importante uma boa preparação durante o tempo da Quaresma
O principal ponto é refletir sobre como está correspondendo a tamanho amor, gratuito e misericordioso, de Deus. Perceber se está sendo testemunha viva do amor de Deus que gera justiça, solidariedade, fraternidade e paz. Voltar o olhar para o mais íntimo de si e perceber as lacunas e imperfeições, buscando em Deus a graça para superar todas e cada uma delas, de modo que, no canto do “aleluia”, junto com o Ressuscitado, o cristão seja uma pessoas renovada e motivada a proclamar a ressurreição e ajudar os outros a fazer a experiência de Cristo.
Cristo ressuscitou verdadeiramente, aleluia! A vida venceu a morte, aleluia! Com essa certeza em nossos corações, que consiste na nossas esperança, deixemos ressoar neles as palavras que o Senhor dirigiu às mulheres quando foram ao seu encontro: “Alegrai-vos. Não tenhais medo” (Mt 28).
Dom Orani João Tempesta
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro-RJ