“A mentalidade contemporânea, talvez mais do que a do homem do passado, parece opor-se ao Deus de misericórdia e tende a separar da vida e a tirar do coração humano a própria ideia da misericórdia. A palavra e o conceito de misericórdia parecem causar mal-estar ao homem, o qual, graças ao enorme desenvolvimento da ciência e da técnica, nunca antes verificado na história, se tornou senhor da terra, a subjugou e a dominou, que parece não deixar espaço para a misericórdia. Assim, o mundo atual apresenta-se poderoso e débil, capaz do melhor e do pior; abre-se na sua frente o caminho da liberdade ou da escravidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. Além disso, o homem toma consciência de que depende dele a boa orientação das forças que suscitou, as quais tanto o podem esmagar como servir. A verdade revelada por Cristo a respeito de Deus ‘Pai das misericórdias’, permite-nos ‘vê-lo’ particularmente próximo do homem, sobretudo quando este sofre, quando é ameaçado no próprio coração da sua existência e da sua dignidade. Por este motivo, muitos homens e muitos ambientes, voltam-se quase espontaneamente, por assim dizer, para a misericórdia de Deus. São impelidos a fazê-lo certamente pelo próprio Cristo, o qual, mediante o seu Espírito, continua operante no íntimo dos corações humanos (Cf. Dives in Misericordia, 2 – São João Paulo II).
Frequentemente ainda se encontram vestígios de uma mentalidade pouco a pouco superada, que identificava o sexo masculino com a dureza, fechamento, agressividade. Por isso, muitas pessoas ainda repetem que coração, lágrimas, sentimentos, manifestações de afeto, tudo seria próprio do mundo feminino, tanto que “homem não chora”. Ao contrário, nossa fé cristã sempre acolheu a revelação de Deus como Pai, e Pai misericordioso, que se comove, vai ao encontro da ovelha perdida ou do filho extraviado. E Deus se parece com aquela mulher que busca a moeda perdida e faz festa ao encontrá-la. E no Céu, há imensa alegria por um só pecador que se converte! Céu é alegria, emoção, acolhimento, ternura.
Por ocasião do dia dos pais, proponho uma reflexão a respeito da vocação masculina à paternidade. Sim, vocação, chamado de Deus a ser discernido no correr da vida, lugar a ser descoberto na Igreja e na sociedade. O homem tem na sua configuração fisiológica e emocional o apelo à ação, saída de si, iniciativa, decisão e capacidade generativa. Tomar posse de tais características pede uma resposta da parte da pessoa que a recebeu como dom de Deus. E atrás dos dons concedidos, existe alguém que chama, convoca com liberdade criativa, concedendo as capacidades necessárias ao exercício de vocação.
Assim como em outras vocações, há que se responder e buscar o aprendizado necessário ao exercício da missão confiada. Ninguém nasce sabendo ser pai, e não se pode improvisar tal tarefa. O chamado pede responsabilidade, exige discernimento, para que o homem não seja um reprodutor qualquer, mas efetivamente pai. E aqui eu me reporto aos inúmeros pais de verdade que conheço, cujo diálogo com os filhos pode tornar-se a melhor escola para os que vierem assumir tal vocação. Faz-se necessário criar espaços de partilha de experiências. Contar com humor aliado à seriedade necessária em assuntos de tamanha importância pode ser mais decisivo do que muitas palestras ou aulas!
Neste sentido, nossas famílias poderiam recuperar as conversas em torno da mesa. Não se trata de reuniões formais, mas da capacidade de “puxar assunto”. Aproveito a oportunidade para sugerir menos celulares ou redes sociais em casa, mais conversas, mais olho no olho, escuta, partilha das lutas, sucessos e insucessos!
A vocação masculina à paternidade pode refletir a figura do Pai do Céu. Ele é criativo, fez tudo a partir de uma decisão de amor. Nós o professamos “Criador do céu e da terra”. No Eterno Pai, os homens se sintam convocados a inventar soluções para os problemas. Não se rendam diante dos obstáculos, mas enfrentem os desafios. “Falando baixinho”, só para os homens escutarem, há muitas mulheres que têm assumido funções que, por vocação, poderiam ser por eles exercidas, tornando-se assim modelos exemplares!
O Pai do Céu ensina presença e a responsabilidade. O Pai, que trabalha sempre, no dizer de seu Filho Jesus (Cf. Jo 5,17), assume a responsabilidade pela sua obra. E aqui surge a homenagem às horas de trabalho incansável, suor, cansaço, dedicação dos pais de família, figuras exuberantes que remetem ao Criador, no belíssimo hino da criação, expresso no Livro do Gênesis.
O exercício da paternidade traz consigo um imenso desafio, quando ao lado das mães, os pais descobrem que não geram filhos para si mesmos, mas para a Igreja e para a sociedade. Não são proprietários dos que por eles foram postos no mundo. Como sabem que os filhos são pessoas autônomas, muito cedo descobrem o mistério de sua liberdade! É que Deus não fez cópias, mas concedeu ao homem e à mulher a participação em sua obra. E desde o início, as primeiras páginas da Bíblia o mostraram. É com Deus que os pais aprendem a respeitar a individualidade de seus filhos, a riqueza dos dons diferentes que lhes foram concedidos, os caminhos a serem percorridos, não como cópias dos genitores, mas os filhos e filhas também tocados pelo amor que vem de Deus, com o qual precisam descobrir a grandeza da própria vocação.
A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, propôs “Família, uma luz para a vida em sociedade”, como tema da Semana da Família de 2017. E a Semana da Família começa no dia dos pais, estendendo durante os dias que se seguem, uma série de reflexões e atividades, destinadas a valorizar a presença da família, correspondente ao projeto de Deus expresso na Sagrada Escritura e na Doutrina da Igreja, como dom precioso a todos os homens e mulheres e à sociedade.
Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo de Belém do Pará