Chegamos, enfim, ao nosso último artigo sobre a figura do bispo em uma diocese. Essas catequeses puderam abrir a nossa inteligência para compreender quem ele é, qual é a sua missão, que espiritualidade deve ter e, agora, qual a sua importância e papel em um âmbito mais geral, ou seja, a sociedade, para além das fronteiras de sua jurisdição territorial. Em forma de escada pudemos subir, degrau em degrau, até o ápice dos nossos objetivos: familiarizarmos com o perfil e o encargo do “servo Monsenhor Giovani, bispo eleito para a nossa Diocese…” segundo a oração em preparação à sua posse como temos rezado em nossas comunidades desde a sua eleição.
Antes de tudo gostaríamos de fazer uma síntese do percurso. Receber em uma diocese um bispo eleito pela Igreja e para a Igreja é algo que talvez já estejamos acostumados, pois a lógica da sucessão apostólica é fazer valer com que a “cátedra” (o centro espiritual concreto de unidade e comunhão para o presbitério diocesano e para todo o povo santo de Deus) não esteja vacante. E quando falamos em “acostumados” é no sentido de que tal costume nos faça perder de vista a beleza de se ter presente uma personalidade tão cara quanto o bispo. Por isso mesmo que a pergunta Quem é o bispo? lançou-nos não somente a uma curiosidade súbita em querer saber despreocupadamente quem era o “próximo da lista”, mas em aprofundar no mistério da eleição e identidade daquele que viria nos pastorear e liderar. De igual modo, a sua práxis missionária (ou sua tarefa) fez-nos perguntar Qual é a missão do bispo em uma diocese? Como doutor legítimo e sábio pedagogo para ensinar, homem zeloso das coisas santas que lhe foram confiadas para santificar, e servidor humilde da Igreja e ao mesmo tempo pastor das ovelhas para governar, não nos restou nenhuma dúvida sobre o seu notável múnus a desempenhar, qual dever insubstituível, na Igreja Particular à qual fora envidado. A sua difícil e nobre tarefa de ensinar, santificar e governar o povo de Deus está entrelaçada à sua vida espiritual propriamente dita. Por isso que ao perguntar Que tipo de espiritualidade tem que ter o bispo? respondemos simplesmente que precisa ele alimentar uma espiritualidade eclesial (ter o sentimento familiar de convivência entre ele e sua diocese), uma espiritualidade mariana (ver e ter em Maria Santíssima o seu exemplo de humildade e disponibilidade), e uma espiritualidade orante (render-se aos colóquios com Deus visando o crescimento nas virtudes).
As três perguntas iniciais deságuam qual rio no mar de outra que vem corroborar todas elas: Qual é o papel do bispo perante os desafios atuais sendo ele, além de um sujeito religioso, também um expoente moral da ordem social? As três primeiras visam o bispo em sua vocação, dentro da diocese, sentado em sua cátedra, lidando com o seu povo (primeira missão). A última projeta o bispo, estando dentro da diocese e ocupando seu posto, para um espaço maior geográfico, moral, político e socialmente falando (segunda missão). E essa missão nos faz pensar nas novas “formas especiais de apostolado” que nos indicaram o Decreto Christus Dominus – sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja, 17: “As formas de apostolado acomodam-se perfeitamente às necessidades dos dias de hoje, tendo em vista as novas exigências dos homens: não só espirituais e morais, mas também sociais, demográficas, e econômicas”. Diante disso, a dimensão missionária do ministério episcopal é larga, pois a sua consagração não é somente em benefício à sua diocese, mas extrapola para a salvação de todos os homens e mulheres que não fazem parte do seu rebanho, isto é, aquela porção social que compõe outras camadas importantes da vida civil que podemos chamar de seculares (que não são religiosas essencialmente). Daqui já podemos pensar o seguinte: o bispo é uma personalidade eclesial que possui competências religiosas, por um lado, e também uma figura diplomática ou política que cumpre um papel importante no âmbito moral e social enquanto é livre para dirigir-se a toda à sociedade com o fim dialético e pedagógico, por outro lado. Nesse particular, as palavras de Cristo sobre si mesmo: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra” (Mt 28,18), unidas ao mandato a seus discípulos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a todas as criaturas” (Mc 16,15) fazem todo o sentido na vida do bispo enquanto mensageiro do Evangelho nos dias atuais, pois ele é envidado portando o cajado da autoridade como doutor autêntico para falar em nome de Cristo e da Igreja. Portanto, para responder à pergunta desse artigo, vamos recorrer tanto ao seu múnus de ensinar, quanto aos aspectos da sua espiritualidade no que tange às suas virtudes humanas e, também, à sua formação permanente. Realidades que estão intimamente conectadas umas às outras.
Já sabemos que “ensinar” é um verbo que o bispo tem de conjugar constantemente em seu ministério para poder cumprir diligentemente com a sua função docente perante sua diocese e a sociedade que a abarca. O anúncio do Evangelho não se resume aos limites da Igreja, mas alcança mentes e corações inimagináveis pela sua sabedoria e poder. Todo bispo é consciente que não é somente a fé que deve ser transmitida, mas também o conteúdo moral e ético que norteiam a vida humana enquanto costumes e normas para a construção de uma sociedade mais justa e desejosa de paz perene. Por isso mesmo que o bispo, por ser um educador de valores e promotor dos princípios fundamentais que unem a caridade e a verdade, a justiça e a paz, a liberdade e a solidariedade, os direitos e as obrigações, a família e a sociedade, enfim, está em alerta sobre tudo o que acontece no mundo ao seu redor, principalmente quando as forças contrárias (políticas, ideológicas e conspirações de toda natureza) à justiça e ao bem comum começam a esvaziar o sentido e a consciência das pessoas a respeito da sua responsabilidade social em construir uma civilização mais humana. De sua cátedra o bispo desempenha o papel de doutor da Doutrina Social da Igreja para a sociedade inteira, pois essa doutrina possui um “valor de instrumento de evangelização, porque põe a pessoa humana e a sociedade em relação à luz do Evangelho” (como nos diz as primeiras linhas deste documento). O seu magistério ainda o faz recordar da exortação feita pela Constituição Dogmática Lumen Gentium: “As presentes condições do mundo tornam ainda mais urgente este dever da Igreja, a fim de que todos os homens, hoje mais intimamente ligados por vínculos sociais, técnicos e culturais, alcancem unidade total em Cristo”.
Dentro do seu munus docendi (missão de educar), está o núcleo daquilo que consideramos ser o bispo um “expoente moral da ordem social” (conforme o Diretório para a o Ministério Pastoral dos Bispos, 120), confirmando o fato de que ele é uma imagem público-social para além de uma imagem apenas religiosa, pois a sua presença na sociedade e a condição de ser um homem que ocupa um lugar privilegiado em que dele se origina decisões importantes na vida de muitos cidadãos dão a ele a oportunidade de estar presente em determinados lugares ou reuniões sociais das mais diversas (como nos ensina a Exortação Apostólica Pastores Gregis, 41), colaborando, assim, “por meio de conselhos, persuasões e exemplos” ao contexto em que está inserido (segundo a Constituição Dogmática Lumen Gentium). Evidentemente que o bispo, antes de tudo, tem a obrigação de pregar aquilo que os fieis tem de acreditar, ou seja, a fé, e em tudo levar o seu povo a glorificar a Deus para a salvação eterna de suas almas, no entanto, ele também, por causa de que o objeto de seu anúncio contém elementos que incluem princípios éticos para organizar a dimensão social, se dirige sábio e prudentemente a todos os demais proclamando a autêntica libertação que vem de Cristo pelo fato de que evangelizar é também humanizar. Por isso ser ele um “expoente moral da ordem social”, um sujeito visto como representante de uma causa essencialmente benéfica para “o bem de todos os homens e do homem todo” na sociedade e não apenas para um grupo seleto de pessoas. Isso justifica a verdade de que ele é o defensor do que chamamos “bem comum”, isto é, “o conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um dos seus membros atingirem de maneira completa e desembaraçadamente a própria perfeição” (Doutrina Social da Igreja, 164). Educar o mundo social naquilo que é mais concreto da vida humana, a saber: o valor da vida desde o nascimento até o seu termo natural, a liberdade das pessoas, a família em sua unidade e estabilidade (incluindo a geração e educação da prole), a dignidade do trabalho, o significado da tecnologia e da ciência e seus favores em prol da raça humana e da natureza, a ecologia e a utilização dos bens materiais, a convivência pacífica entre os povos e, hoje em dia, a situação sanitária crítica em que passa o mundo por causa da pandemia da COVID-19, o bispo é chamado a emitir um juízo não somente para a Igreja, mas igualmente à sociedade como um todo, pois ele é também um cidadão e beneficiário direto dos bens sociais.
Como dissemos acima, da espiritualidade que o bispo deve nutrir originam-se as suas virtudes humanas propriamente ditas. No artigo anterior vimos que ele possui um tripé espiritual que sustenta a sua vida mística e virtuosa enquanto legítimo sucessor dos apóstolos à frente de sua diocese. E aludimos também, dentro dessa conjuntura do tema que estamos trabalhando, ou seja, o bispo como uma personalidade importante na/para a sociedade pelo fato de ser um sujeito moral, que ele pode servir de ponte (pontífice) entre a Igreja e a vida social. O Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos, 37, nos diz claramente que “é evidente que a santidade à qual o bispo é chamado exige a prática das virtudes (espirituais)”. Dentre elas se destacam as virtudes teologais (fé, esperança e caridade), os conselhos evangélicos (pobreza, castidade e obediência), a caridade pastoral (seu amor ao ofício), a prudência pastoral (que é a sabedoria prática e a arte do bem governar), a fortaleza e a humildade (ser paciente no suportar as adversidades pelo Reino de Deus), o exemplo de santidade e muitas outras virtudes espirituais que o ajudarão na senda da sua missão. No entanto, aqui daremos destaque àquelas virtudes episcopais que a Igreja dá o nome de “dotes humanos”, pois, aqui, à nossa maneira de ver o bispo como expoente moral e social, combinará melhor com os nossos fins.
Quando falamos em “dotes humanos”, enfatizamos que o bispo deve revelar-se cheio de humanidade. Teologicamente falando, Jesus fez-se homem, fez-se “carne” (Jo 1,14) e permanece “verdadeiramente homem”, como professamos em nossa “Profissão de Fé” (Credo). O bispo como um homem chamado por Deus ao episcopado e exercendo a sua missão na Igreja, por um lado, poderia muito bem ser nomeado de “homem teológico” (pelo mistério que o envolve), mas, por outro lado, poderíamos chamá-lo de “homem sociológico” tendo em vista a sua missão junto à sociedade. Caso ele se dirija à comunidade humana apenas como bispo e revestido de suas virtudes espirituais, correria o risco de não ser bem interpretado ou aceito, pois já dissemos que a sociedade, pelo menos uma boa parte dela, não é religiosa ou simplesmente considera os assuntos religiosos como algo secundário, priorizando, assim, fatores de ordem seculares ou, como se diz hoje, laicais. Diante desse fato, podemos indicar, já, um enorme desafio para a Igreja que é se dirigir, em plena contemporaneidade, a uma sociedade “pós-cristã” (alguns já arriscam um “pós-Deus”), ateia, destradicionalizada e distanciada da religião, globalizada e relativista, enfim, um novo “areópago” diversificado e repleto de posturas e mentalidades avessas ao catolicismo. Dificultando o diálogo ou a travessia da “ponte”. Então perguntaríamos: diante desse cenário social o bispo se apresentaria apenas como um sujeito religioso? A resposta seria: “sim” (por não ter que negar o seu chamado de ser um homem de Deus, mesmo em meio a tudo isso) e “não” (pelo fato de que ele é um ser humano e possuir uma natureza social e poder se dirigir a ela humana e moralmente). Pensando nisso que a Igreja, ao se referir a essa ação e presença do bispo na sociedade como um todo e não somente em sua diocese, enfatiza que “no seu comportamento devem brilhar aquelas virtudes e os dotes humanos que brotam da caridade e que são justamente apreciados na sociedade” (Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos, 47). Se em Cristo o eterno entra no tempo, no bispo (como homem de Deus) a Igreja entra na sociedade e na história. Aqui temos a passagem de sua dimensão teológica para a dimensão sociológica. Aqui ele de fato é um legítimo “pontifex” (um arquiteto de pontes, um conciliador entre o espiritual e o humano, entre o eclesial e o social).
Na citação acima algo prende a nossa atenção: “virtudes e dotes humanos que são apreciados na sociedade”. Quais virtudes? Quais dotes humanos? Quando falamos em “virtude” o universo é gigante e está em expansão em seu significado, mas, em outro momento, já indicamos que se trata de um “exercício”, uma “prática” em aperfeiçoar-se nas qualidades humanas. Existem qualidades que podem ser praticadas pelo bispo que o faz próximo da sociedade, facilitando o intercâmbio. Mais uma vez o Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos nos sugere algumas: “uma humanidade profunda, um espírito bondoso e leal, um caráter constante e sincero, uma inteligência aberta e clarividente, sensível às alegrias e aos sofrimentos alheios, uma grande capacidade de autodomínio, delicadeza, tolerância e discrição, uma saudável propensão para o diálogo e a escuta, uma permanente disposição para o serviço”. Percebemos que todas essas qualidades são essenciais na vida do bispo e gostaríamos de comentar todas essas virtudes para melhor entendermos a sua natureza enquanto um expoente moral da ordem social, no entanto, vamos destacar apenas uma que vem ao encontro de alguns desafios atuais que ele, com “humanidade profunda”, lidará exercitando o “diálogo e a escuta”. E tal virtude é a “inteligência aberta e clarividente”. Enfatizamos de antemão que muitos são os desafios sociais que esperam uma participação e resposta do bispo, sejam eles pastorais (a diminuição do número de católicos, a destradicionalização dos costumes, os inúmeros sintomas da crise familiar, uma catequese que tenha um método inovador para as novas gerações, o baixo índice no número das vocações etc), sejam extra-pastorais (o aborto e os métodos anticoncepcionais, o aumento do pentecostalismo, a pouca influência nas universidades, o diálogo interreligioso, o ecumenismo, o fenômeno da migração, a diversidade cultural e religiosa, o urgente debate sobre o pluralismo religioso, a corrupção política, a crise sanitária em decorrência da Covid-19, os direitos humanos, a explosão demográfica e as políticas de natalidade, globalização, fome e miséria, o desemprego, a violência, a cultura da morte e os contra-valores, conflitos entre as nações, o secularismo, o relativismo cultural e existencial, o modismo das ideologias, o tráfico de drogas e de pessoas, a devastação ambiental, as Fake News – ou desinformação – etc). E dessas últimas, escolheremos também apenas uma: a “corrupção política”. Nada mais aproxima o bispo da sociedade do que combater a corrupção política com uma inteligência aberta e clarividente. A escolha dessa virtude perante tal desafio nesse artigo se justifica por duas razões: 1) o bispo é verdadeiramente um expoente moral da ordem social, 2) é necessário uma inteligência aberta e uma formação permanente para compreender as complexidades de uma política corrupta e corruptível (e estamos em tempos de novas eleições).
Apesar de que de se trata de um tema vasto, ficaremos apenas nos detalhes mais importantes tendo em vista, sempre, a figura do bispo enquanto um homem que se dirige à sociedade como um todo. Em primeiro lugar, já está evidente que o bispo é um “homem sociológico”, ou seja, moralmente sociológico, e está na sociedade e a observa do ponto de vista da justiça, da verdade e do amor (caridade). Isso se deve ao fato de que ele não desvie o olhar da pessoa humana em sua dignidade (que é imagem e semelhança de Deus) e de sua convivência e relações políticas com os demais que compõem o tecido social. Nesse particular, o bispo assume o papel de defensor de toda uma comunidade política (pólis, do grego, fazendo derivar a palavra política), independentemente de ser ela religiosa ou não religiosa. A sua característica de ser um homem moral o coloca na condição de promover uma ordem social (real e não ideal) que leve em consideração o fim desejável (e que é a vontade de Deus) de que toda “a comunidade política consiga alcançar o crescimento e aperfeiçoamento de todos os seus membros, chamados a colaborar de modo estável para a realização do bem comum, sob o impulso da sua tensão natural para a verdade e para o bem” (Doutrina Social da Igreja, 384). Qual missionário em promoção da causa do bem comum, ou seja, a busca incansável do bem ou do sentido da verdade que se podem encontrar nas formas de vida social existentes, o bispo atua em nome da Igreja que é “perita em humanidade e solidária com os homens do nosso tempo” (Pastores Gregis, 66). Tendo em vista a inteligência do Evangelho que aprendeu sendo discípulo do Mestre Jesus, que chamou a atenção do povo para as várias formas de injustiças de seu tempo, o bispo, como expoente moral, tem o dever de desmascarar as falsas e múltiplas concepções redutivas da pessoa humana, resgatar os valores e os belos costumes humanos dos desvios funestos das ideologias que instrumentalizaram esses mesmos para projetos de caráter econômico, social, cultural e político e, ainda, discernir a verdade perante a onda relativista que faz tudo perder a força e a solidez em uma sociedade que foi batizada de “líquida” e “porosa”. Em tal cenário, o bispo assume com confiança e coragem a sua missão na sociedade e alerta que somente o exercício da vida moral poderá atestar a dignidade da pessoa humana e de toda a comunidade política.
Mas, e a corrupção política propriamente dita? O bispo pode se dirigir a tal situação? Pode e deve por quatro razões: 1) partindo do fato social de que o bem comum é descaradamente desrespeitado pelos agentes políticos em exercício (sim, aqueles que foram “democraticamente” eleitos pelos que possuem “título de eleitor”); 2) partindo da realidade em que milhares de pessoas não estão dentro do quadro de vantagens sociais como alimentação, habitação, segurança, trabalho, educação e acesso à cultura, transporte, saúde, livre circulação das informações e tutela da liberdade religiosa; 3) partindo da verdade de que o bem comum é de responsabilidade de todos e principalmente do seu responsável direto que é o Estado; 4) e partindo da premissa de que o bispo, expoente moral da ordem social, tem que ter, enquanto virtude e qualidade humana, uma inteligência aberta e uma formação sólida e permanente que lhe tragam luz a respeito das intenções perversas, maquiavélicas, ideológicas, conspiratórias, sujas, trapaceiras e psicopatas que circulam no mundo da política desonesta em nossa sociedade.
Testemunhando e participando vivamente de uma sociedade onde o bem comum é camuflado e, em muitos casos, até anulado, “o bispo é o profeta da justiça” (Pastores Gregis, 67), assumindo uma postura moral contra toda imoralidade, sendo uma voz potente a favor dos direitos e dos deveres dos homens e das mulheres, pregando a doutrina social da Igreja cujo fundamento está no Evangelho de Cristo (e não em outras muitas deformações interpretativas vindas de várias fontes sociais, filosóficas, culturais e ideológicas). Santo Agostinho, que também era bispo, já dizia que o arauto de Cristo deveria ter “inteligência ágil e perspicácia crítica” para não ser enganado pelos astutos deste mundo. Da mesma forma o bispo dos dias atuais e perante os muitos desafios, mas atento ao mais feroz e senão o maior causador dos demais males, a corrupção política, deve denunciar os indivíduos que desrespeitam os princípios morais, enganam as pessoas e tiram vantagem da fragilidade e inocência dos menos favorecidos. Uma formação intelectual que inclua leitura, aprofundamento, estudo, conhecimento interdisciplinar e uma constância na observação dos fatos podem favorecer o bispo nessa sondagem profunda da corrupção política e ajudar o seu povo enquanto diocesanos e depois a sociedade inteira a conhecer verdadeiramente as causas que bloqueiam as exigências do bem comum e sua realização. A política em si é um bem para a comunidade humana quando ordenada para o bem de todos, mas, infelizmente, os “prometedores de mentiras” desmoralizam a virtude do bem governar, fabricam escândalos de sua própria incompetência, preocupam-se mais com o cifrão do que com a vida humana e o seu destino, e com isso são responsáveis pela pandemia da descrença política e da corrupção generalizada em nossa sociedade. Ao contrário disso, está o bispo como uma autoridade eclesial e social legítima chamando a atenção das autoridades políticas convidando-as à consciência do seu dever de garantir a vida ordenada e reta da comunidade, disciplinando-a e orientando-a para a realização do bem comum. E por autoridade política não nos esqueçamos que é o próprio povo considerado na sua totalidade como detentor da soberania. Se o bispo é um sujeito moral além de um sujeito eclesial, a autoridade política também carrega esse distintivo da moralidade em sua essência.
Diante disso, qual é o papel do bispo perante os desafios atuais sendo ele, além de um sujeito religioso, também um expoente moral da ordem social? Quem nos responde é a Pastores Gregis, 67: “Como a Santa Igreja é no mundo sacramento de íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano, também o bispo é defensor e pai dos pobres, é zeloso da justiça e direitos humanos, é portador de esperança”. Que virtude maravilhosa de ser defensor de uma ordem social justa! Que alegria poder ter na Igreja alguém que olha para o horizonte além das fronteiras de sua própria casa! Que felicidade da Igreja Católica em ter no bispo alguém que, com paixão de pastor, sai à procura das ovelhas, imitando Jesus que diz: “Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco e também tenho de as conduzir; ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16).
Portanto, chegamos ao final de nossas catequeses sobre o episcopado. Foi uma trajetória incrível estudando e aprofundando sobre a figura do bispo e sua essência, sua missão, sua espiritualidade e seu papel para além de sua diocese. Acreditamos que os objetivos propostos foram alcançados. Estamos conscientes de que existe ainda um universo de assuntos sobre essa personalidade tão especial na Igreja Católica e que, aqui, não poderíamos abarcar todos os detalhes. No entanto, temos elementos suficientes para a nossa reflexão e conhecimento. Monsenhor Giovani Carlos Caldas Barroca está às portas! Antes de chegar aqui como bispo ele acenou de longe para nós e disse em sua Carta aos diocesanos: “Ao saber para qual diocese fui designado, alegrei-me por conhecer as qualidades pastorais e da fé sólida que essa Igreja Particular transmite por meio do seu presbitério e da vida eclesial”. Em uma linha anterior, no mesmo parágrafo, Monsenhor expressou sua pequenez e “indignidade para tamanho ofício”. Sim, o ofício é grande, mas é também grande a beleza do teu chamado. Sim, é grande o encargo, mas é grande de igual modo o Deus que lhe confia tal missão. Exatamente, é grande e pesada a tarefa que irá assumir, mas é infinitamente maior a misericórdia de Deus a lhe sustentar. Terás um cajado em tuas mãos, uma mitra em tua cabeça e um anel em teu dedo. Insígnias episcopais que sinalizam a realeza de uma vocação sublime ao serviço, pois a isso te consagras, a isso te entregas e por isso hás de consumir-te. A expectativa aumenta em cada grão de areia que escorre no estreito espaço da ampulheta do tempo até que nos alegremos todos com a sua chegada. O vazio e o silêncio da cátedra durante o período de vacância são substituídos pela presença e eloqüência daquele que vem para ensinar, governar e santificar, qual sucessor dos apóstolos, a dileta Diocese de Uruaçu, porção do povo de Deus e território pastoral de nosso quarto bispo que já podemos, no coração, chamar de Dom Giovani. Seja bem-vindo!
LEIA MAIS
Pe. Edvaldo Celestino de Melo