Qual é a missão do bispo em uma diocese?

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No artigo anterior, apenas para fazer uma ligação entre o antes e o agora, falávamos sobre a identidade do bispo, ou seja, o fundamento da sua personalidade eclesial, da sua origem e constituição, pois a pergunta “Quem é o bispo?” nos remete necessariamente à outra: “O que ele faz ou qual é a sua missão?”. E nesse pequeno estudo catequético, tendo em vista a chegada de Monsenhor Giovani Carlos Caldas Barroca, bispo eleito de nossa Diocese de Uruaçu, queremos aprofundar nesse questionamento sobre o seu múnus (serviço) e missão nessa Igreja Particular.

Antes de falar sobre a missão do bispo e, para melhor contextualizarmos com o que aqui será exposto, acreditamos ser importante explicar, mesmo que sumariamente, o que a Igreja entende por uma “Diocese”, pois o novo bispo virá para exercer o seu ministério não em um lugar qualquer, mas assumirá uma responsabilidade eclesiástica dentro de um espaço particular que exigirá dele uma competência e diligência sem as quais o seu ministério episcopal não frutificaria, pois é mister que o bispo compreenda profundamente que, dentro do mistério da Igreja e da vocação a que foi chamado, a graça da consagração episcopal o colocou como mestre, sacerdote e pastor para guiar uma “porção do povo de Deus”. Em uma linguagem técnica, a origem da palavra “diocese” vem do grego (dioikésis) que significa “território”, indicando assim uma espécie de jurisdição administrativa sob a autoridade de um governador ou legislador. Assim, canonicamente falando, a “diocese” é entendida pela Igreja como uma unidade territorial administrada pelo bispo, ou seja, é um “bispado” ou sede episcopal. Nesse sentido, a diocese é a área geográfica mais importante dentro da organização territorial da Igreja Católica. Passando a um ponto de vista teológico, a “diocese é a porção do povo de Deus, que se confia aos cuidados pastorais de um bispo”; “cada bispo a quem se confia uma Igreja particular, pastoreia as suas ovelhas em nome do Senhor” (conforme o Decreto Conciliar Christus Dominus, sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja). Por isso que a Igreja Particular (diocese) e o seu bispo criam, juntos, uma legítima vida diocesana, manifestando, assim, a reciprocidade e a comunhão com toda a Igreja Católica (Universal). Após essa rápida explicação sobre o lugar onde o bispo exercerá o seu ofício, voltemos ao nosso tema.

Uma leitura atenta das Sagradas Escrituras, principalmente do ponto vista do envio dos apóstolos e, mais particularmente, no Evangelho de Mateus, capítulo 28 em seus versículos 18 a 20, podemos perceber nitidamente não somente a ordem de Cristo aos seus discípulos para saírem da pequena Galiléia aos limites do mundo, mas também a missão deixada pelo Ressuscitado que disse: “Fazei discípulos todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos mandei”. Além da missão de batizar em nome da Trindade que, como nos ensina a Igreja, é porta sacramental para uma graduação na santidade (vida na graça), nas virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e recepção dos demais sacramentos, o texto evangélico ainda ressalta dois verbos que nos chamam a atenção: “fazer” e “ensinar”. Por um lado, o “fazer” combina com a dimensão prática (e obediente) do apostolado, isto é, a atividade intrépida e ousada daqueles que foram instruídos antes mesmo de instruir os povos e as comunidades (At 1, 1-2). Em outras palavras, a atividade apostólica teve a sua razão de ser após o período de discipulado (a escola de vida junto ao Mestre Jesus), de ensino-aprendizagem por meio das palavras, atitudes, milagres, sinais, prescrições, exortações, enfim, todos os recursos humanos, didáticos (as parábolas, por exemplo) e espirituais utilizados por Jesus para que os discípulos pudessem compreender, assumir, transmitir e realizar em sua missão. Por outro lado, o “ensinar” faz menção àquela qualidade docente em que os apóstolos deveriam exercer com maestria e coragem, mas sempre auxiliados pelo Espírito Santo que, nas palavras de Jesus, “o Pai enviará em meu nome, e que irá ensinar-vos todas as cosias e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14,26) para educar as nações em meio à missão evangelizadora. Nesse sentido, a tarefa missionária dos apóstolos se amplifica e ganha um novo significado formativo, pois se o “fazer” é um apostolado prático (ir por todo o mundo), o “ensinar” é um apostolado pedagógico (educar todo o mundo) que, nessas duas dimensões, estaria diluída a missão dos sucessores dos apóstolos, ou seja, os bispos. E juntamente ao aspecto formativo do “ensinar”, a Igreja discerniu, com o tempo, que a missão do bispo em uma diocese deveria ser também a de “santificar” e “governar”, estabelecendo o “tríplice múnus” ou a essência do seu encargo para a edificação do Corpo de Cristo (Ef 4,12).

Em que consiste então a missão (ou apostolado) do bispo em uma diocese? A resposta seria: ensinar, santificar e governar. Vejamos cada uma dessas tarefas pormenorizadamente. Mas, antes, diga-se de passagem, a essas três funções a Igreja dá o qualificativo de “dever”, indicando indubitavelmente que o bispo tem a obrigação de exercê-las em uma diocese, pois ele é o primeiro na ordem de ensinar (por ser mestre), na de santificar (por ter a plenitude do Espírito Santo) e governar (por ter sido revestido de tal poder).

Comecemos pelo múnus de ensinar. Educar alguém para as nobres coisas da vida já é uma grande missão. Imaginemos ensinar uma pessoa a respeito das “coisas do alto” (Cl 3,1). Por isso mesmo que o bispo é qualificado como “doutor autêntico da Igreja”, ou seja, o legítimo sucessor dos apóstolos deve ser também um legítimo evangelizador de seu povo, homem versado nas Sagradas Escrituras, conhecedor profundo da doutrina eclesial no tocante à fé e aos costumes, deve ter interesse irrefragável pelos estudos e uma verdadeira inclinação amorosa à sabedoria. Porém, na hierarquia dos valores do que deve ser ensinado aos fieis tem a primazia o “anúncio da Palavra de Deus”, pois foi o próprio Jesus quem disse: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15); e em outro lugar podemos ler no Evangelho de Lucas 9,6: “E, saindo eles, percorreram todas as aldeias anunciando o Evangelho”. E nesse anúncio está subentendida a virtude da coragem para enfrentar os desafios que impedem o crescimento da mensagem evangélica e, também, defender a Igreja em sua santa doutrina perante os erros (internos e externos) que a ameaçam. Um outro fator importante nesse múnus de ensinar é o que chamamos de “princípios morais da ordem social”, ou seja, o bispo tem autoridade para orientar a todos que estão na sociedade, pois as realidades concretas da vida humana fazem parte não somente de quem professa a fé católica, mas estão envolvidos de igual modo aqueles que não comungam dos mesmos princípios religiosos que nós. Assim, são de interesse essencial tanto para a Igreja quanto para todo o tecido social assuntos como o valor da vida, o significado da liberdade, a estabilidade da família (procriação e formação dos filhos), o bem comum, o trabalho, o desenvolvimento tecnológico e científico, o uso dos bens materiais, a convivência pacífica e a ordem política. E isso se justifica nas palavras emblemáticas de Santo Agostinho (detalhe: que também era bispo): “Um bom cristão também é um bom cidadão”. Em linhas gerais, o múnus de ensinar dá ao bispo a dupla honra de ser um “catequista” para o povo de Deus, e ser um “pontífice” (construtor de pontes) para ligar caminhos entre a Igreja e a sociedade. Se ensinar faz parte da sua missão, então seja a sua diocese uma grande escola de fé e que tenha um hábil mestre a ensiná-la.

É dever do bispo também santificar o povo confiado a ele. A santidade é um desejo de Deus para todos os homens e mulheres, como podemos ler no livro do Levíticos 19,2: “O Senhor falou a Moisés: fala a toda a comunidade dos israelitas e dize-lhes: sede santos, porque eu, o Senhor, sou santo”; em outro lugar na Bíblia podemos comprovar essa exigência divina nos lábios de São Pedro: “Antes, como é Santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos, também vós, em todo o seu proceder” (1Pd 1,15). O ministério da santificação de um povo deve, para o bispo, antes de tudo, começar pela própria busca da santidade. Deve ser ele o primeiro a celebrar diligentemente e com respeito a sagrada liturgia; nutrir uma genuína espiritualidade por meio da Palavra de Deus, os sacramentos e a caridade; fomentar em si mesmo a virtude de religião; testemunhar a fé; dedicar-se às formas de piedade (principalmente as de sua diocese); enfim, foi escolhido do meio dos homens e está constituído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados (conforme o Decreto Conciliar Christus Dominus, sobre o múnus pastoral dos bispos na Igreja). Essa função santificadora está unida essencialmente ao aspecto do culto divino (liturgia), pois constitui “a fonte e ápice da vida cristã” (segundo o Catecismo da Igreja). Assim, não é difícil entender que, sacramentalmente falando, a Eucaristia (ou o Santo Sacrifício da Missa) é o caminho indispensável para crescer na vida da graça e chegar à perfeição: “Sede, portanto, perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Assim sendo, o bispo deve em sua diocese motivar constantemente o povo à vida espiritual e de santidade não somente por meio dos sacramentos, mas também tendo em vista a oração e a piedade popular; a leitura, estudo, meditação e prática da Palavra de Deus; o exercício da caridade; o conhecimento e crescimento nas virtudes; a devoção à Nossa Senhora etc. Diante disso, o bispo não deve poupar esforços em fomentar no seu povo o progresso na vida sobrenatural, no tocante a alcançar a santidade e a união mística com Deus, a participação nos mistérios de amor em que todos são convidados e, por fim, caminhar, mesmo em meio às estradas escorregadias de nossa humanidade, em direção à vontade de Deus. Portanto, se santificar faz parte de seu ministério, seja a sua diocese um lugar onde os fieis saibam contemplar a Deus e tenham, em seu pastor, um excelente diretor espiritual.

Além de ensinar e santificar, o bispo tem o encargo de governar a sua diocese. Expressões como “governar”, “governo”, “governador” nos lembram essas personalidades político-sociais que ocupam cargos públicos por meio de votos voluntários dentro de um regime institucional que damos o nome de “democracia”. Não se trata desse tipo de regência que, às mentes mais atentas, podem até demonstrar, pelas atitudes, uma certa contradição à tarefa que foram necessariamente escolhidos. À primeira vista poderia soar estranho um bispo “governar” uma diocese, pois o colocaria no mesmo nível dos que falamos acima, e foi Nosso Senhor quem nos fez saber a distinção dizendo que “os que são considerados chefes das nações, as dominam, e os seus grandes impõem sua autoridade” (Mc 10, 42). Seria preferível dizer que o bispo “administra” a diocese, ou “pastoreia” o seu rebanho, ou ainda “cuida como um pai” da sua família diocesana. Seriam termos mais brandos e animadores. Mas temos de saber que a Igreja é hierárquica em sua liderança e “superintendência” (só para lembrar o significado da palavra “bispo”). Assim, o governo de um bispo em uma diocese traz todos os elementos do que poderíamos entender sobre “administração”, “organização” e “liderança”, mas com a sutil diferença de que ele é um “servidor” do povo, ou seja, assume a postura de Cristo que disse ao seus discípulos: “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10, 43-45). Eis o sentido hierárquico de governo na Igreja (e em uma diocese): aquele que é o primeiro é, antes, o último; o que deve ser servido é, antes de todos, o que serve; o que é considerado maior é, na verdade, o menor. Nesse sentido, o governo de um bispo em uma diocese não equivale a uma tirania ou realeza, mas se configura como um verdadeiro pastoreio humilde à modo de Cristo, Bom Pastor. Ou seja, governar é o mesmo que cuidar, apascentar, ensinar, santificar, zelar, amar a sua diocese. E se for necessário “dar a vida em resgate” dela! Lembrando, assim, que na antiguidade o primeiro a liderar o seu exército nas batalhas era o que governava. Mas não podemos esquecer também que, em virtude do seu ofício que lhe foi confiado, “o bispo está investido de poder jurídico objetivo, destinado a exprimir em atos de poder pelos quais realiza o ministério de governo recebido no sacramento” (como diz a Exortação Apostólica Pastores Gregis de João Paulo II). Em outras palavras, os fieis se submetem a esse poder de governar com fé e humildade, pois ao bispo foi entregue essa jurisdição, esse encargo, essa missão. Há competências próprias de um bispo em uma diocese que somente ele pode começar e terminar, decidir ou atribuir, realizar ou não realizar conforme o seu justo e prudente juízo e discernimento tendo em vista, sempre, o bem de sua Igreja Particular. Vale recordar ainda que no governo de uma diocese o bispo possui a sua sede própria que chamamos de “Cúria diocesana” (são organismos e pessoas que colaboram com o bispo na direção pastoral, administrativa, econômica e judicial na/da diocese). Enfim, se em seu ministério está contido a arte de governar, seja o bispo um bom servidor e líder de seu povo e este seja um rebanho obediente e satisfeito com quem o governa.

Ao chegar ao fim desse artigo, gostaríamos apenas de voltar à pergunta inicial “Qual é a missão do bispo em uma diocese?” e saber que um povo educado, santo e bem governado é a excelência de qualquer bispo que deseje servir bem ao Senhor e à sua Igreja. Muitos outros detalhes dessa missão poderíamos aqui aprofundar, mas fugiria aos nossos objetivos. Porém, o que aqui foi mostrado pode nos dar uma boa fundamentação para conhecer melhor o serviço do bispo em uma diocese. Portanto, é importante termos a consciência de que não se trata de uma missão fácil, mas ao contrário, ela exige muito esforço, virtudes e espiritualidade por parte de quem é enviado como bispo a uma diocese. E pensando nisso, nosso próximo artigo falará exatamente disso e tentaremos responder à pergunta: “Que tipo de espiritualidade tem que ter um bispo?”. Até breve!

Pe. Edvaldo Celestino de Melo