Renovar ou perecer

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A cada final e começo de ano civil a maioria das pessoas são levadas a um duplo e ambivalente sentimento: de gratidão ou arrependimento e de esperança ou medo. Somos seres reflexivos e, sobretudo quem é adulto, imprescindivelmente coloca sobre a mesa seu mapa pessoal, observa aquela estrada que vem percorrendo e que percorrerá, a direção da própria vida.

Nesta ocasião, ajudados pelo clima externo, temos a impressão de estar concluindo um ciclo e iniciando outro… é assim a história humana: ciclos cronológicos que perfazem um processo linear existencial, do nascimento à morte. As escolhas são livres, mas tem suas consequências e vão determinando o rumo onde tudo poderá terminar. Somos atores de nossa novela, escrevemos uma página de nosso livro a cada dia, no palco da vida vamos encenando uma peça que não se repetirá, não obstante o retorno cronológico, a existência segue um curso sem chance de repetição. Momentos celebrativos que quebram a rotina são como pequenas conclusões (término de um capítulo) que ensaiam aquela página final que vamos escrevendo, já que a reencarnação é uma ilusão (Hb. 9,27), é única a passagem pelo palco do mundo.

Como não coaduna com a natureza humana o formato de passividade – não somos marionetes do Criador, Ele nos deu livre arbítrio – urge tomarmos consciência de que há uma responsabilidade sobre nossa realização, posta em nossas mãos. Bem se nota que a beatitude de nossa vida, o estado de completa realização, não é um resultado automático!

Numa leitura teológica da história, há uma chave de compreensão para o problema antropológico e sociológico: a desobediência ao plano divino na busca de felicidade imediata inclinou o coração humano a um fim passageiro e insuficiente para sua realização, os conflitos pessoais e consequente anarquia social parece insanáveis só com as forças humanas. Cada pessoa experimenta o drama de uma divisão em si mesma, a humanidade contaminada pela mentira, e se auto combatendo, está confusa entre os bens e o Bem. Ademais de todo o esforço da psicologia em curar os indivíduos e da política em resolver as agruras (injustiças) da sociedade, a provável solução definitiva é aquela da teologia cristã: Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade (Ef. 4,22-24).

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm. 12,2).

Almejamos plenitude! Queremos harmonia interior, paz nas interrelações, felicidade e tudo que auguramos de bom aos entes queridos numa passagem de ano! Tal bem será real e duradouro se houver o reencontro do humano com o projeto divino, corrigindo aquela fuga ou descaminho, sanando a ruptura espiritual e vivencial. Ou seria o homem um fruto do acaso e sem destino? Fosse assim, razão a Feuerbach! Entendo que o Criador já cumpriu Sua parte da aliança (Gl. 4,4) oferecendo a plenitude em seu Filho, o mestre e salvador de quem o acolhe.

Não haverá bem-aventurança, senão desventura, caso o homem teime em dar as costas ao plano divino levando uma vida espúria e devassa. Quando a existência da pessoa se afasta da verdade antropológica – origem, desenvoltura e finalidade – ela não poderá colher outro resultado senão a frustração. O preço da própria harmonia e da paz na sociedade é a obediência ao projeto original (imagem e semelhança divina) em nossa prática terrena e à profissão de fé que abre a porta eterna. Mesmo os maiores literatos e cientistas não deveriam cultivar o orgulho porque são devedores da Providência. Convém um sábio conselho: Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm. 12,2).

Nesta passagem de mais um ano, a semelhança de Yanuarius, mito de dupla face, saibamos olhar para trás arrependidos dos erros e gratos pelo bem feito… saibamos olhar para a frente superando o medo, enchendo-nos daquela Esperança que não engada, porque se alguém está em Cristo, ele é nova criatura! (2 Cor. 5,17).

(Pe. Crésio Rodrigues / passagem 2022 -2023)

Imagem ilustrativa retirada do Depósito Photos